quarta-feira, 20 de maio de 2015

Posicionamento da Juventude Às Ruas sobre cotas



A mobilização que os estudantes negros e negras, juntamente com o conjunto do movimento negro vem tocando há anos e nesse momento ganha mais força, escancara o racismo estrutural presente na USP: uma universidade elitista e branca onde ofensas racistas são pichadas no banheiro da EACH, professores na sala de aula ainda transmitem, em pleno século XXI as teorias do racismo científico, dizendo que os negros têm uma capacidade cognitiva menor, onde os negros ocupam os postos mais precários de trabalho e somos nós os mais atingidos pelo desmonte que o reitor e o governador pretendem implementar. Uma universidade fundada pelos filhos da elite cafeeira do estado, uma classe dominante que faz homenagens aos bandeirantes que caçavam índios e escravos no meio da floresta e que não tem uma homenagem aos grandes heróis negros e negras. Logo, a primeira função que a reivindicação de cotas raciais cumpre é a de desmascarar o racismo.

É impossível compreender até o fim o racismo por fora de encará-lo como uma política que é imposta e propagada pela burguesia que, por um lado, impõe a dinâmica econômica que a favorece concomitantemente à ideologia que a sustenta no poder. Por outro, os trabalhadores que, carregados da ideologia burguesa, vende sua força de trabalho e luta pela sua sobrevida. No mundo capitalista, nada existe a não ser que gere exorbitantes lucros. O racismo institucional impede formação mais qualificada de negros e negras, delegando-os postos de trabalhos precários e mal remunerados e rebaixa os salários de conjunto dos trabalhadores, já que há um enorme mercado de homens e mulheres que podem trabalhar por um preço muito menor. Se não houvesse lucro sobre o racismo, este não se manteria.

A  mobilização por cotas raciais nas universidades públicas é um exemplo de como o racismo pode se deixar esconder por traz de um falso mito de democracia racial, transferindo o resultado de uma política de mais de 500 anos de genocídio e descaso social em mera incompetência do povo preto. A USP é de longe a universidade mais racista do país, se recusa implementar até mesmo a chamada Lei de Cotas, programa federal de cotas nas universidades públicas. Há pouquíssimos negros estudando na nossa universidade devido a anos de educação precária e a um filtro social altamente eficaz: o vestibular. Dos que entram, menos ainda seguem seus cursos, uma parcela ainda mais minoritária avança para a pós graduação e raros chegam a ser professores.

A maioria dos negros da USP só entram na sala de aula para limpar o nosso chão e servir estudantes e professores, como trabalhadores terceirizados, em sua maioria mulheres. O trabalho precário dentro da universidade aumenta conforme avança sua crise financeira, via sobrecarga dos trabalhadores efetivos que permanecem e via terceirização.

A atual conjuntura nacional de crise na educação se expressa também pra dentro dos muros da maior universidade do Brasil através de cortes nas bolsas de moradia e pesquisa, na dificuldade enorme de se conseguir vaga no CRUSP, demissão de 1500 trabalhadores, no fechamento de um bandeijão, nos cortes de serviços do HU, não abertura de vagas nas creches, salas de aulas super lotadas, na precarização no regime de contratação de professores... Os resultados podem ser sentidos por todos que estudam e trabalham na USP, seja na qualidade de seus estudos, nas condições pra se manter estudando, na sobrecarga, doenças e assédio moral sofrido pelos trabalhadores.

Mas o setor de estudantes que mais sofrem os efeitos do desmonte da universidade e sucateamento da educação são os negros e negras. São aqueles que, mesmo com as dificuldades impostas por uma sociedade machista, racista e lgbtfóbica conseguem furar o filtro social do vestibular, conquistam uma vaga e logo de cara vêm seu sonho de ter uma educação de qualidade ir por água abaixo, ao passar pelo segundo filtro social, a falta de permanência.

Neste cenário de boicote histórico as nossas demandas, nós estudantes negros e negras resistimos e damos voz aos milhões de negros, negras e indígenas que financiam a universidade na qual nunca adentrarão sem que lutemos. Neste sentido, cotas raciais representa o mínimo necessário e urgente para a reparação aos irmãos e irmãs que permanece insistentemente sem ser efetivada.

Desde o começo do ano a Ocupação Preta vem protagonizando a luta pelo direito dos negros à educação pública de qualidade impondo através de ocupações nos espaços acadêmicos a discussão de cotas.

Nós da Juventude às Ruas acreditamos que a luta por cotas raciais é uma demanda extremamente necessária e deve estar diretamente ligada à luta pela defesa de uma universidade pública, gratuita e de qualidade a serviço da classe trabalhadora, pois essa corre risco de extinção. É uma luta que precisa ser levada com força por meio da unidade dos estudantes e os trabalhadores, que colocam esta universidade pra funcionar em sua maioria, negros que sofrem na pele todo dia o racismo velado, explícito e institucional. Devemos nos organizar em torno de pautas e interesses em comum para golpear a reitora e o governo do Estado num só punho. A ocupação do Conselho Universitário no dia 14/05 foi uma demonstração importante da força de nossa unidade.

Uma luta sem unidade só pode nos conduzir ao isolamento político dentro e fora da universidade e repressão aos lutadores por parte da reitoria, como pretende fazer agora o reitor Marco Antonio Zago, ao ameaçar punir estudantes e funcionários que estavam presentes no dia da Ocupação do Conselho Universitário, reivindicando que fosse feito a discussão sobre Cotas. É fundamental que o movimento dê uma resposta a esse ataque e não deixe que a reitoria continue implementando sua política de repressão aos lutadores.

Estamos ao lado do movimento negro no combate aos setores de direita que organizam campanhas contra as cotas e entendemos a importância do movimento negro organizado que elaborou o programa de cotas da Frente Pró Cotas. Apesar de acharmos, diante do atual cenário do país, ser extremamente necessário reivindicar cotas, entendemos isto como o princípio de uma reparação histórica aos negros que não se esgota na educação tampouco na universidade, pois cotas apenas não resolvem os problemas dos negros que sequer completam a educação básica. Ou seja, cotas deve estar atrelada às demandas de democracia universal, como educação para todos. Por isto levantamos um programa de cotas raciais que se choca diretamente com os interesses da burguesia e nos leva a questionar a lógica capitalista na educação que a tem como mais uma mercadoria, defendemos o fim do vestibular e estatização das universidades privadas sob controle dos funcionários e estudantes.

Nas universidades se faz necessário levantar um programa de cotas proporcionais ao número de negros/negras e indígenas de cada estado brasileiro não só para que contemple um maior número destas populações, sobretudo os mais marginalizados, mas, acima de tudo, para impor no espaço da universidade a contradição que se expressa em toda a sociedade. Contradição que, ao colocar a mesma proporção de negros e brancos, acirra a disputa do conhecimento produzido pela universidade. E a auto-declaração é um incentivo à afirmação do povo negro para procurar disputar o espaço acadêmico e combater o racismo estrutural que se expressa desde a composição social de trabalhadores e estudantes até o currículo que nega nossa história de luta e resistência e a pesquisa e extensão que não serve aos interesses dos trabalhadores e sim das empresas privadas.

O movimento estudantil precisa retomar seus métodos de luta baseados na democracia operária tomando pra si as demandas daqueles que não podem sequer pisar na universidade. Impulsionar a luta dos negros por reparação, colocada hoje mais explicitamente pela via das cotas, é cumprir este papel de tribuno do povo. Pois pela precarização do trabalho, o povo negro está furtado da possibilidade de organizar suas demandas através de um aparato político centralizador, passando por dentro da luta de classes. E esta situação pode nos fazer confiar e nos aliar a setores da sociedade que não estão ao nosso lado. Pode a burguesia entregar aos negros e negros, depois de séculos de expulsão do ensino básico para forjar mão de obra semiescrava para o trabalho precário, ensino laico, gratuito e de qualidade desde a infância até a vida adulta?

Entretanto, devemos ter plena consciência que fazer justiça aos pretos e pretas significa fazer uma transformação radical na sociedade, que vai desde a reforma agrária e urbana até o fim da violência policial e do sistema prisional. E a luta por melhores condições na educação para os pretos não pode estar desligada de todas as outras, porque a falta de moradia, o genocídio da população preta, principalmente de sua juventude, seu encarceramento, a necessidade de trabalhar desde cedo, a ocupação dos cargos mais precarizados, etc, fazem parte do conjunto de fatores sociais que tiram os jovens pretos e pretas das escolas desde a cedo e que não permitem que os mesmos entrem nas universidades, ou sequer vejam o ensino superior como algo possível. Temos que seguir o exemplo de Zumbi dos Palmares, Malcolm X, Panteras Negras, e tantos outros que se armaram contra a opressão ao povo preto. É preciso entender que nós, pretos e pretas, devemos lutar pelo necessário, não pelo possível na legalidade de um poder que nos aprisiona, e que nossa luta deve ter como norte a certeza de que só seremos livres com a libertação de toda a humanidade, com o fim da exploração da classe trabalhadora.

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