sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Queremos justiça para João Antônio Donati, e também queremos outra sociedade

texto escrito por Bruno Portela publicado originalmente no blog: 
http://minhavidaealutadeclasses.blogspot.com/2014/09/queremos-justica-para-joao-antonio.html
em homenagem aos familiares e amigos de João
 
   
João Antônio Donati, jovem de família humilde, de 18 anos, foi encontrado morto nessa quarta-feira (10 de setembro) com a boca cheia de sacos plásticos e papeis, num terreno baldio da região metropolitana de Goiânia. Segundo a polícia, ele apresentava hematomas nos olhos e nariz, além de aparentemente estar com o pescoço  e pernas quebradas. A polícia nega que em um dos papeis da sua boca havia um bilhete escrito "vamos acabar com essa praga".[1] Não importa. João era assumidamente gay, e ainda que a polícia não queira afirmar (como geralmente faz) que é um crime de homofobia, nós sabemos que foi, porque não foi a primeira vez que aconteceu algo desse tipo, inclusive dessa forma: homicídio carregado com tanta crueldade. O corpo de João foi enterrado nessa manhã, mas a tristeza de sua morte continua, assim como o ódio contra essa sociedade miserável em que vivemos. Sinto que com João, nós morremos um pouco, mas que por ele e por tantos outrxs violentadxs por essa sociedade, devemos seguir buscando justiça. Coloco aqui toda a minha solidariedade aos familiares e amigos de João, aos quais também dedico esse texto.
   O assassinato de João acontece em meio a um cenário contraditório, mas que é fundamental que seja analisado para que se consiga dar uma resposta, não somente a esse caso, mas a todos os outros casos que vêm acontecendo. 
Nesse ano, a Anistia Internacional divulgou o resultado de um estudo que mostra que há um grande aumento de casos de homofobia em nível internacional, no entanto, o assessor de Direitos Humanos desta afirma que o Brasil melhorou muito em termos de leis no que diz respeito à comunidade LGBT[2]. Ao mesmo tempo que esse tipo de lei “avança”, vemos contraditoriamente um grande aumento nos registros de homicídios e agressões por motivação de homo/lesbo/transfobia. É importante também visualizarmos a relação cada vez mais ampla e intrínseca de setores religiosos e conservadores ao estado, como aumento da bancada evangélica, financiamento milionário para garantir a vinda do Papa Francisco I ao país na JMJ, acordos entre candidatos e seus partidos com setores religiosos e etc. Esse é o plano de fundo em que acontece não só o caso de João, mas também o de Kaique (que a polícia encerrou o caso dizendo que foi um suicídio) e de diversos outros casos, evidenciando que nem as “melhorias” pequenas, alcançadas aqui e ali questionam de fato não somente a homo/lesbo/transfobia, mas toda a estrutura que a mantém com uma razão de ser. 
   Devemos entender que não é a toa que o PLC 122/06 que visa criminalizar a homofobia[3] tramita há tantos anos na justiça e que o mesmo motivo que faz com que ele não seja aprovado é o motivo pelo qual poderá leva-lo a ser “apenas” uma lei no papel, caso ele seja aprovado em algum momento: o estado e suas instituições servem para manter “as coisas como estão”, ainda que com discursos diferentes, “quem paga a banda escolhe a música”, ou seja, os políticos e seus partidos, para se manter no poder, fazem compromissos políticos com os setores conservadores e religiosos em troca de financiamento para suas campanhas e projetos, logo, os mesmos nunca irão afrontar os setores que os financiam, aliás, ao contrário, vão agir conforme os interesses dos seus patrocinadores. Para além disso, a autonomia sobre nossos corpos e nossas vidas, em diversos sentidos (seja com o direito de escolha da mulher sobre a gravidez, a livre construção da identidade de gênero do indivíduo, a liberdade para exercer sua orientação sexual etc), confronta diretamente o princípio da família e da moral, essas que por sua vez são ferramentas fundamentais para a manutenção da propriedade privada, uma das bases da sociedade capitalista. O que quero dizer com tudo isso, é que não basta lutarmos pela aprovação de leis que nos reconheçam esse ou aquele direito, aliás, é perigoso que tenhamos ilusões no estado capitalista e suas instituições (legislativo, executivo e judiciário, para além é claro da racista, machista e homofóbica polícia), temos mesmo é que nos organizar conjuntamente e entender que só através de uma luta incansável conseguiremos acabar com tudo que nos oprime. O mesmo estado que nos nega nossos direitos, como no caso da criminalização da homofobia, é o estado homofóbico que é conivente com as agressões que sofremos, por exemplo, como quando muitxs de nós vão à delegacias registrar B.O. e os policiais (civis e militares) fazem o possível para que desistam das denúncias e nunca acham muito menos punem os agressores.
   Os debates que vêm sendo abertos agora nesse momento pré-eleições também nos coloca questões para se pensar em relação à “comunidade LGBT”, no sentido de pensar qual resposta e com qual estratégia podemos seguir na luta contra a homo/lesbo/transfobia. Os três candidatos “principais” (Dilma, Aécio e Marina) são financiados por empresas, empreiteiras e todos os três têm relações afinadas com comunidades religiosas e setores dos mais conservadores, ligados por exemplo à ditadura militar. A única coisa que os três podem oferecer a nós é a certeza de que os nossos direitos serão rifados, retirados e reprimidos sempre que for necessário, basta vermos como tem acontecido em diversos países da europa, onde os direitos das mulheres, LGBTs e outros setores (como imigrantes) vêm sofrendo duros ataques pelos partidos que assim como os de cá, são financiados pela burguesia. Mas para além desses três candidatos, entendendo que o próprio regime e suas estruturas estão fundamentados no que há de mais conservador e reacionário, não podemos nos iludir que por meio desse regime, ou seja, da sociedade capitalista e "democracia", poderemos conseguir nossa liberdade de construção da sexualidade e de gênero.
A nossa miséria sexual anda de mãos dadas com a sociedade capitalista, a sociedade dos exploradores e dos opressores, portanto, não há alternativa ou estratégia para a nossa luta que não passe pela nossa união enquanto oprimidxs, se aliando com tantos outros setores oprimidos que sofrem com a miséria da nossa sociedade, mas principalmente se aliando com a classe que justamente é a única que pode se colocar radicalmente contra os exploradores e opressores porque é a única que têm interesses inconciliáveis com os mesmos: a classe trabalhadora. É essa a resposta que podemos e devemos dar, para que consigamos avançar na luta para que não haja mais casos como os de João.
 


0 comentários:

Postar um comentário