terça-feira, 8 de abril de 2014

O Território Livre e seu elitismo "radical"



Por Pardal.

De maneira bastante pedante, os companheiros do Território Livre responderam ao chamado lançado pela Juventude às Ruas de conformação de uma chapa unificada de oposição ao DCE dizendo que nós “não entendemos o seu programa”.

De fato, às vezes parece um pouco misterioso o que pretendem os companheiros, quando lançam palavras de ordem como, por exemplo na eleição do DCE no ano passado, de “jogar o movimento estudantil à deriva”, ou de criar um “território livre” que eles mesmos tomam bastante cuidado de nunca definir em nenhum aspecto positivo, mas apenas como a destruição da “universidade shopping”.

Contudo, queremos lembrar aos companheiros do Território Livre que nem todos no país estudam em uma universidade shopping ou em outra de qualquer tipo: cerca de 85% dos jovens de 18 a 24 anos no país estão excluídos do ensino superior. Dentre os que estão nele, cerca de 75% estão em universidades privadas, bastante diferentes da USP, de onde a maior parte dos militantes do Território Livre proclama “heroicamente” seu desejo de reduzir a “universidade burguesa” a ruínas.

Ali, desfrutando de seu lugar em uma universidade pública, um privilégio para poucos neste país, eles dizem “A única e verdadeira educação que o povo deve ter hoje é a educação da luta, mas ela passa muito longe das salas de aula. Quantas revoluções não foram feitas por ‘ignorantes’ e analfabetos?” Contudo, não vemos os militantes dessa organização largando seus lugares na universidade porque “a verdadeira educação está nas ruas”. Então, será que é apenas para o “povo” que não serve está universidade? E para os militantes de sua organização, ela serve? E será que quando afirmam que “Esta educação é, em sua maior parte, uma ideologia de classe, existente só para controlar pessoas.”, estão se referindo também ao “povo” (será que é dividido em classes, esse “povo”? Hoje o Território Livre até mesmo já se apropriou das consignas petistas e populistas de “poder popular”). Mas talvez seus militantes, que possivelmente se julgam bem melhores do que esse povo, seja capaz de discernir a ideologia presente na universidade, então pode muito bem permanecer nela, mesmo enquanto se educa nas ruas...

A atitude, em primeiro lugar nada dialética, de dizer que a universidade e a cultura burguesas “não podem produzir mais nada de relevante que não passe, necessariamente, pela sua destruição.” É o que leva a esta conclusão, na prática, de um programa extremamente elitista que nega à classe trabalhadora e ao povo pobre o direito elementar à educação. A universidade, evidentemente, é um pólo produtor de ideologia burguesa, bem como de conhecimento técnico para perpetuar sua dominação. Mas não é senão com o conhecimento de hoje que construiremos as bases para a sociedade de amanhã. Neste sentido, é fundamental lutar não apenas para que cada trabalhador tenha direito de ter acesso a esse conhecimento produzido nas universidades, mas que lutemos a cada dia por uma fração revolucionária no movimento estudantil, pela construção de um verdadeiro pacto operário-universitário em que os estudantes coloquem todo o conhecimento que adquirem na universidade a serviço das lutas e das demandas da classe trabalhadora. Um exemplo contundente disso podemos dar na FaSinPat, a fábrica Zanon na Argentina, que foi tomada pelos trabalhadores e colocada para produzir sob controle operário numa exemplar luta que conseguiu, após oito anos, expropriar legalmente a fábrica de seu ex-dono. Os estudantes da Universidade de Neuquén cumpriram um papel fundamental para ajudar os trabalhadores a aprender a conduzir partes da produção às quais apenas os técnicos e engenheiros tinham acesso anteriormente. Esse conhecimento, ensinado nas universidades, é apenas um exemplo do que a universidade pode oferecer aos trabalhadores, mas que o Território Livre – junto com a burguesia – não quer que a classe operária tome para si. Mas há exemplos mais próximos, como o do professor da Faculdade de Direito da USP Jorge Luiz Souto Maior, que foi saudado com emoção pelos garis do Rio presentes no encontro que organizamos, por ter colocado seu conhecimento a serviço da luta dos trabalhadores. Será que esse “conhecimento burguês” não ajudou em nada?

Se os companheiros do Território Livre acham tão desprezível lutar por qualquer reforma, talvez devessem deixar de apoiar as greves operárias que lutam por demandas mínimas totalmente possíveis dentro do estado capitalista. O que opinam, então, os companheiros do Território Livre da vitória dos garis no Rio, conquistando um aumento salarial de 37%? Talvez, com o mesmo desdém arrogante que dizem que esses garis devem estar fora das universidades, possam esses jovens dar de ombros e chamar os garis que abriram um novo cenário na luta de classes no país de “reformistas” porque não lutam pelas escalas móveis de salários.

Os companheiros muitas vezes afirmam que as demais correntes que se reivindicam trotskistas não compreendem o Programa de Transição, de Leon Trotsky, um documento que procurava justamente superar o abismo entre o atraso subjetivo da classe trabalhadora e as condições objetivamente maduras para a revolução. No entanto, é fácil ver que são eles que persistem na divisão entre “programa mínimo” e “programa máximo”, colocando no lugar deste último dogmaticamente as consignas do programa de transição, de forma isolada e independente do contexto, como se fossem uma “receita mágica” para a revolução. Tudo o que Trotsky nunca pretendeu, nem qualquer revolucionário sério, é escrever uma “receita” para um programa revolucionário.

Um programa é uma combinação entre os elementos objetivos e os fatores subjetivos, pois serve para responder a uma situação concreta – e não aos delírios dos dirigentes do Território Livre – articula consignas mínimas com consignas transicionais e consignas democrático-radicais. A mesma lógica de negação dogmática de qualquer programa “possível de ser conquistado dentro do capitalismo” eles aplicam, por exemplo, à sua análise absolutamente superficial e falsa de como o Partido Bolchevique encara a questão da Assembleia Constituinte. Sim, ela foi dissolvida pelo governo soviético, mas foi agitada como programa desde fevereiro até janeiro de 1918, como um passo fundamental para combater as ilusões constitucionalistas das massas. O próprio governo julgou necessário permitir a reunião da assembleia para que ficasse mais claro que esta palavra de ordem, progressiva ainda há poucos maeses, adquirira um caráter reacionário após a tomada do poder pelos sovietes, transformando a Assembleia Constituinte num ninho da contra-revolução.

Contudo, os bolcheviques não levantavam como seu programa apenas a Assembleia Constituinte, mas ligavam sempre esse programa – para combater a ilusão constitucionalista das massas – ao seu programa de um estado operário, expresso na consigna “Todo poder aos sovietes.” Da mesma forma, os companheiros falsificam nosso programa ao dizer que levantamos apenas “Assembleia Estatuinte Livre e Soberana”, omitindo que esta consigna tem seu lugar articulada em um programa que afirma que esta Assembleia deve se dar com a dissolução do Conselho Universitário e do reitorado, e que o programa de poder para a universidade é o governo tripartite, composto por funcionários, professores e pela maioria estudantil. A isso, o que opõe o Território Livre? “a tomada da universidade pelos estudantes para torná-la um centro de luta da juventude, o que possibilitaria efetivamente a aliança com a classe trabalhadora.” Vejamos: a classe trabalhadora não pode entrar na universidade, mas, se transformarmos essa em “um centro de luta da juventude”, então nos aliaremos aos trabalhadores - para os quais, ao mesmo tempo, devemos dizer que, como "a função da universidade é criar mão de obra qualificada para o mercado, nós não lutamos para que mais pessoas tenham um lugar privilegiado no mercado de trabalho" (mas diríamos isso nos mantendo nessa mesma universidade pra garantir o nosso!)... parece muito coerente!

Perguntamos aos companheiros, como, num país em que existe o maior monopólio educacional do mundo (Kroton-Anhanguera), vinculado organicamente ao capital imperialista e detentor até mesmo de uma bancada ligada diretamente a seus interesses no parlamento, a demanda de estatização sem indenização do sistema educacional é de alguma forma conciliadora com alguma ilusão em um suposto caráter democrático do Estado burguês? Ora, então joguemos fora as consignas que o próprio Trotsky levantou no Programa de Transição sobre a estatização dos principais ramos da economia!

Há milhões de argumentos teóricos e históricos que podem demonstrar o equívoco profundo do posicionamento do Território Livre. No entanto, talvez o mais simples seja o mais eficaz: propomos aos companheiros que se dirijam aos trabalhadores, à juventude das escolas públicas, e vejam quantos estarão dispostos a lutar pelo seu programa de... mantê-los fora da universidade!

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