No sábado 11/01, Kaique Augusto, 16, jovem negro e
homossexual, foi visto pela ultima vez por seus amigos após sair de uma balada
gay no centro de São Paulo. Foi somente dia 14/01, após incessantes buscas e
idas infrutíferas ao IML, que a família conseguiu encontrar o corpo de Kaique,
que steve todo esse tempo no próprio IML. Kaique havia sido brutalmente
espancado, possuía hematomas e marcas de violência no rosto e no corpo, seus
dentes haviam sido arrancados e uma barra de ferro havia sido encravada no meio
de suas pernas. Nesta mesma semana, dia 15/01, em Uberaba, a travesti Toni
Gretchen, de 50 anos, foi assassinada com vários tiros após ameaças de morte e
cobranças do pagamento do “pedágio” no ponto de prostituição.
Essas mortes, motivadas claramente por homofobia e
transfobia, são parte do aumento da violência contra homossexuais e travestis,
que tem ocorrido no país nos últimos anos (durante o governo petista aumentou
em 117%, de 2003 a 2010). Nos primeiros 16 dias deste ano, 18 casos de assassinatos
de homossexuais foram noticiados pela mídia. Esse aumento da violência contra
xs homo e transexuais tem ligação direta com o avanço ideológico reacionário
levado à frente pela bancada parlamentar fundamentalista, que se baseia nos
laços profundos do Estado com a Igreja e se legitima com a defesa cristã da
“moral e dos bons costumes”. Isso ficou claro tanto na posse de Marco Feliciano
para a presidência da Comissão de Direitos Humanos, com o aval do governo
federal e da maioria absoluta dos deputados durante 2013, quanto com a vinda do
Papa para o Brasil em meio às mobilizações nacionais da juventude. Todas as
medidas dos governos com relação à diversidade sexual, longe de significarem um
fim aos casos de violência contra xs homo e transexuais e um progresso no
sentido de uma sociedade mais igualitária e sexualmente livre, tem polarizado a
sociedade cada vez mais, e nessa polarização, o lado que o Estado e as suas
instituições tomam é sempre oposto ao lado dxs homo e transexuais.
Contra
a impunidade dos assassinatos de homo e transexuais no Brasil!
Nenhuma
confiança no Estado e nas suas instituições!
Com
relação ao Kaique, a Polícia Militar abriu B.O. na 2º DP (Bom Retiro), dizendo
ter encontrado o corpo sob uma ponte e alegando suicídio, o Delegado da Polícia
Civil registrou assim o caso dizendo “não ter detectado nenhum indício que
pudesse contrariar essa informação”. Os médicos peritos do IML, ligados à
Polícia Civil, somente confirmaram que o corpo de Kaique estava lá após três
tentativas frustradas da família em procurá-lo no próprio IML, e justificam os
hematomas no corpo alegando deterioração pelo tempo que lá teria permanecido
fora da geladeira (o motivo alegado é superlotação), justificam a desfiguração
no rosto com a suposta queda da ponte e dizem desconhecer a existência da barra
de ferro transfixada ao corpo (sic!).
No caso de Toni, todos sabemos que a grande maioria das mulheres e travestis em
situação de prostituição são coagidas a pagar ‘tributo’ a policiais militares
que rondam as ruas (pontos) para não serem reprimidas, o que eleva essa podre
instituição e seus membros também ao título de cafetões e aliciadores.
A serviço dos interesses de quem está tanta
enrolação e informações incoerentes sobre a morte de Kaique? O que e quem se
quer encobrir? Não podemos ter nenhuma ilusão nas instituições deste Estado,
menos ainda na Polícia, seja ela civil ou militar. Seu racismo é evidenciado
cotidianamente nas favelas e periferias, contra a juventude pobre e negra, e
agora é deixado ainda mais explícito na repressão feroz aos “rolezinhos”. Seu
machismo é compreendido por todas as mulheres que por algum motivo tenham
precisado ir às Delegacias da Mulher. E sua homofobia se escancara em cada
violência ou assassinato de umx homossexual ou travesti, seja pela participação
direta, seja pelo constrangimento, humilhação, omissão e descaso ao tratar de
vítimas de homofobia.
Há anos está em tramitação o PLC 122/06 que
criminalizaria a homofobia. Muitos homossexuais têm se agarrado a essa luta com
a esperança de ser uma via para combater a homofobia em nosso país.
Infelizmente, setores da esquerda e dos movimentos sociais defendem essa lei de
maneira a criar ilusões de que por aprovações de leis poderíamos acabar com a
discriminação no trabalho, nas escolas, e tantos outros espaços públicos A
grande questão que deve ser discutida é quais seriam os interesses do Estado em
promulgar uma lei que vai contra toda a ordem vigente baseada de forma aberta
na opressão e na perseguição aos homossexuais. Temos a experiência da Lei Maria
da Penha, e da criminalização do racismo, e vemos diariamente esse próprio
Estado e sua justiça legitimarem o feminicídio e o genocídio contra o povo
negro, seja culpabilizando a mulher, seja marginalizando o negro. Assim como junho
deixou claro para os governantes que não estávamos nas ruas só por 20 centavos,
temos que gritar bem alto que não é só pela PLC 122, é pela naturalização da
diversidade sexual e pela livre construção de gênero. E que nos colocamos não
somente contra a polícia que persegue, mata e tortura nas periferias, mas
contra todo esse aparato jurídico (judiciário, executivo e legislativo) que
está a serviço de manter os pactos do Estado com as instituições religiosas e
contra os trabalhadores e a população pobre, negra e LGBTTI.
Resgatar
com a juventude de junho o espírito das travestis e homossexuais de Stonewall
A juventude que saiu às ruas em junho exigindo seu
direito à cidade, contra as tarifas do transporte, hoje sai às ruas “de rolezinho”
para exigir o seu direito ao lazer, ocupa os centros comerciais e
estacionamentos dos shoppings contra a proibição dos bailes funks na periferia
e os toques de recolher. Kaique Augusto é parte dessa juventude que quer dar um
basta à segregação imposta em nosso país, que em São Paulo divide a periferia
do centro da cidade, que impede a juventude negra de ter acesso ao lazer e à
cultura, que faz dos bairros periféricos grandes bairros-dormitórios, que
impede que a juventude possa expressar abertamente sua sexualidade e conhecer o
seu corpo e o seu prazer. É contra esse Estado, os seus governos e os partidos do
seu regime que a juventude se levanta e exige seus direitos!
Nós, que nos organizamos como “Juventude às Ruas”
estamos presente no Lgo. do Arouche, neste ato, em solidariedade aos familiares
e amigos de Kaique Augusto e tantos outros Kaiques que silenciosamente são
assassinados por este Estado. Estamos aqui para exigir investigação e justiça
para a família de Kaique, o que só é possível se for organizada por uma
comissão, independente do Estado, formada pelos familiares, membros dos
Direitos Humanos e organizações políticas de gênero e sexualidade. Estamos aqui
para resgatar o que de realmente revolucionário deixou as lições do levante de
Stonewall, dxs homo e transexuais contra a violência policial: que foi a organização
dxs homo e transexuais para garantir sua defesa; que foi nenhuma confiança nesse
Estado; que foi a compreensão que a garantia de fato da liberdade sexual só
pode ser alcançada superando o sistema social e econômico do capitalismo, o
qual, para existir, se apoia na miséria sexual e, portanto, na repressão sexual
dos que não se submetem à miséria normativa imposta; e, principalmente, que é
somente se organizando com a classe trabalhadora, aqueles que têm nas mãos as
ferramentas para transformar essa ordem econômica e dar impulso a uma nova
organização social, que é possível lutar pela liberdade sexual.
* Investigação e justiça! Por uma
Comissão Independente do Estado para averiguar, julgar e punir os responsáveis
pela morte de Kaique, Toni e todx homo e transexuais!
* Pela construção de áreas e espaços
públicos (praças e clubes) de lazer, cultura e prazer para a juventude!
* Basta de genocídio ao povo negro!
Fim da polícia!
* Basta de violência contra homo e
transexuais! Educação sexual nas escolas organizada pelos professores,
estudantes e agremiações estudantis e sindicais!
NÃO ESQUECEREMOS,
QUEREMOS SABER:
CADÊ O AMARILDO?
QUEM MATOU KAIQUE?