quinta-feira, 10 de outubro de 2013

As fortes mobilizações estaduais abrem o debate sobre os estatutos da universidade pública





Por André Augusto, da Juventude às Ruas Campinas






O movimento estudantil das estaduais paulistas, que não havia desenvolvido suas potencialidades combativas de maneira organizada durante as jornadas de junho, aparece novamente com protagonismo na cena nacional, que ora envolve um despertar de greves operárias mais duras no país, como a dos trabalhadores dos Correios, bancários e a luta dos professores municipais do RJ. Os efeitos politizadores de junho dentro do ME nacional (que tem seu exemplo avançado na confluência dos estudantes cariocas com a histórica greve dos docentes do RJ) surgem num momento de particular endurecimento das medidas do reitorado paulista para evitar que a demanda das ruas por educação pública gratuita e de qualidade atinja o batente das instituições universitárias de elite. O recuo do Conselho Universitário da USP em aprovar o regime já limitado de eleições diretas para Reitor prontificou a ocupação da reitoria da universidade e a resolução de greve geral. Na Unicamp, em meio aos escândalos de violência bestiais da polícia militar nacionalmente – a repressão e morte de professores, tentativa de dissolução de piquetes grevistas e a aberração da tortura por choques elétricos seguida de morte do ajudante de pedreiro Amarildo – a reitoria de Tadeu decide se aproveitar de maneira oportunista da morte de um estudante para colocar a PM dentro do campus. O ME da Unicamp respondeu contundentemente votando indicativo de greve geral e ocupando a reitoria pela expulsão da PM.


O fim de todo um ciclo de uma década petista, de passividade e conformismo, permite enxergar problemas mais agudos em todos os aspectos da vida do país, inclusive os que se escondem nas luxuosas adegas e nas contas estratosféricas dos altos funcionários das universidades: se a pauta do “Fora PM” (das universidades, morros e favelas) é absolutamente legítima, não é também necessário questionar quem foi o responsável por sua entrada na universidade? Qual corpo de funcionários dentro da universidade contribuiu decisivamente para adotar a oferta policial de Geraldo Alckmin depois do falecimento de Denis? Que tipo de estrutura de poder universitária, que tipo de regimento estatutário, precisa se proteger da politização de junho e da democratização radical do acesso à universidade pública com os fuzis dos torturadores de nossos Amarildos?


É impossível democratizar a universidade sob a bota estatutária da ditadura militar


A entrada da PM no campus da Unicamp é uma medida de autopreservação de um regime que se defronta a uma situação distinta. Questionar a entrada da PM significa também questionar o projeto de universidade que precisa dela. A universidade que jubila segundo critérios produtivistas, que nega bolsas de estudo para todos os que necessitam, que veda a construção de mais vagas na moradia estudantil e a criação de cursos noturnos, que enxuga o quadro de professores e funcionários técnico-administrativos, substituindo-os por funcionários terceirizados por empresas fraudulentas (responsáveis por equívocos absurdos de engenharia no teatro das Artes), que torna ainda mais excludente o filtro social que deixa de fora da universidade a maioria esmagadora dos jovens desse país ao cortá-lo das regiões nordeste e sul, e que criminaliza os movimentos operário e estudantil (como na ocupação da administração da Moradia em 2011) com sindicâncias e a PM em suas dependências; esta universidade tem sua outra cara: a da burocracia acadêmica que, através do Conselho Universitário e da Reitoria, recebe salários astronômicos (denunciados como ilegais pelo Tribunal de Contas da União; Fernando Costa e Tadeu Jorge receberam juntos, em 2012, quase 800 mil reais); que possui luxuosos prédios para reunião com agentes da FIESP e de grandes empresas e bancos, como a Samsung e o Santander (que mata operários em suas obras de Barão Geraldo); que compra terrenos milionários em acordo com latifundiários e monopólios estrangeiros. Um corpo de funcionários de elite, totalmente afastado da vida comum da população da cidade e de sua juventude precária e sem acesso à educação.


Esta faceta da universidade pública, aquela dos que se utilizam do dinheiro público do ICMS para benefício próprio e que impedem com seu estatuto que a universidade pública sirva aos interesses da população pobre, está concentrada nas altas cúpulas do Conselho Universitário: esta gangrena congrega donos de empresas terceirizadas, presidentes de fundações privadas (que se valem dos recursos públicos das universidades), membros dos partidos políticos da ordem questionada nas ruas em junho, como PSDB e PT: um concílio que exemplifica o controle exercido pelo capital privado sobre a educação pública no país, e que melhor representa as relações das instituições de ensino superior com a “sociedade” empresarial desde os acordos de MEC-USAID estabelecidos na ditadura militar, em 1968, entre os Ministérios da Educação dos genocidas brasileiros e dos EUA. Trata-se de uma casta burocrática totalmente independente do controle da população que financia seus luxos, responsável por colocar todo o conhecimento produzido na universidade a serviço das grandes empresas contra a população.


São estes privilégios que o Conselho Universitário e a Reitoria, com a ajuda da polícia militar, buscam proteger da nova situação nacional emergida em junho. É vital que os que lutamos por uma universidade pública, gratuita e de qualidade, que reserve toda a produção de conhecimento às necessidades mais candentes da população, não restrinjamos nossa luta contra a entrada da PM, mas também à casta privilegiada responsável por vedar o acesso da juventude ao ensino superior público.


Pelo que passa o processo de democratização da universidade?


É impossível democratizar o regime e o acesso à universidade sob a bota estatutária da ditadura militar: o elo de ligação programático mais importante entre as mobilizações atuais na USP e na Unicamp é o de democratizar a universidade questionando todo o estatuto deste regime universitário, herdeiro da ditadura genocida. Todas as reformas e propostas alternativas, inclusive na vivência, estão subordinadas à eliminação deste dispositivo. Esse estatuto é pedra angular que garante os direitos “divinos” do reitorado e seus conselheiros, e que possibilitou a utilização de parágrafos criados nos anos de chumbo da ditadura para facilitar a repressão ao movimento estudantil, a ilegalidade da perseguição judicial de trabalhadores grevistas, e a entrada da PM no campus.


Os debates sobre a estatuinte, o “como” e o “com quem” se fará, enriquecem desde já o movimento de ocupação da Reitoria da Unicamp, as greves e paralisações nos institutos. Há setores na ocupação que defendem apenas o rechaço ao estatuto da ditadura; mas isto redundaria na reforma institucional do mesmo regimento excludente e elitista, vinculado ao mesmo projeto de universidade “das adegas”. Há ainda outros setores que reivindicam uma estatuinte “em debate comum e com a participação da Reitoria”, deixando de problematizar toda a estrutura de poder fundada nas figuras despóticas do Reitor (Tadeu) e do Conselho Universitário, estrutura que permaneceria de pé e fugiria como da peste de qualquer democratização real da universidade, que passa pela dissolução irrestrita destes dois órgãos burocráticos.


Uma assembleia estatuinte, "livre e soberana", que parta da dissolução destas aberrações na universidade (em diálogo com esta idéia de um companheiro da USP, "O conteúdo de 'livre e soberana' deve significar, a nosso ver, que uma Estatuinte na USP não pode ser construída por esta estrutura de poder e muito menos por Rodas, mas apenas contra eles", http://juventudeasruas.blogspot.com.br/2013/10/greve-usp-o-que-e-estatuinte-e-governo.html) pode garantir que os três setores da universidade, professores funcionários e estudantes, com voto universal proporcional ao número de cada setor, possibilitaria conquistar medidas internas imediatas para incrementar a vivência (mais iluminação e poda de arbustos, criação de cursos noturnos para manter viva a universidade em todos os horários, circulares gratuitos para a Unicamp nos finais de semana a toda a população), o controle de todos os setores sobre as grades curriculares e a razão social de tudo o que é produzido dentro da universidade, e a aplicação dos recursos públicos para a garantia do acesso radicalizado ao ensino superior (isto é, o fim do vestibular e a estatização das universidades privadas), nas medidas mais essenciais para abrir os portões e as salas de aula da universidade pública a toda a população.



A universidade pública começa a ter seu projeto questionado pela nova situação nacional







Fortalecer os laços da unificação das estaduais paulistas nesta onda de mobilizações do movimento estudantil está a serviço desta batalha por um outro projeto de universidade. Paralelamente ao desenvolvimento de fortes greves de trabalhadores da educação pública, no Rio de Janeiro e em Goiás, a conjuntura que coloca os problemas da universidade como um dos eixos da política nacional (que castigou nas ruas os Donadons e toda a constelação de altos funcionários corruptos do Estado) pode fustigar também o alto escalão da educação pública dentro dos atuais Conselhos Universitários. Sua dissolução e substituição por um Conselho composto por professores, funcionários e estudantes, eleitos com mandato e revogáveis por assembleias universitárias, apresenta uma ampla via para a constituição de um novo projeto de universidade que garanta o básico (como medidas de vivência, estrutura) e o acesso radicalmente democrático (a todos os que queiram) que as Reitorias atuais se negam e não podem cumprir.


Estes debates programáticos, que avançam nas estaduais paulistas em meio à caldeira da luta de classes, são importantes experiências acumuladas para todo o movimento estudantil nacional, e que se combinam com as heroicas experiências de luta das universidades federais no último período. É possível conquistar a retirada da PM do campus e a imposição de que não se assine nenhum convênio com a polícia; assim como é possível extinguir, numa luta massiva e unificada do ensino público, todas estas bases arcaicas (estatutos e reitorados) que separam a população das salas de aula da universidade. Apostamos nesta perspectiva, como a melhor via de barrar a influência enganadora da grande imprensa e da reitoria (desejosos de manter seus privilégios) e congregar a maioria da classe trabalhadora e da população pobre da cidade e do campo a esta luta dos estudantes.



Basta de privilégios com o dinheiro público: é hora de massificar a luta e abrir os portões e salas de aula da universidade pública a toda a população!






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