domingo, 17 de março de 2013

Só haverá democracia quando houver revolução: um olhar marxista sobre a questão negra!



O sistema capitalista que dominou o mundo nos últimos séculos demonstrou que é totalmente incapaz de aplicar os pontos de propaganda ideológica que defendia na Revolução Francesa. Naquele momento, levou os trabalhadores às armas pelas consignas de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Mesmo nos países mais avançados do globo, com economias fortes e “consolidadas”, é possível ver que a liberdade não é para todos; que não há igualdade entre homens e mulheres, negros e brancos, jovens e idosos; que a fraternidade é apenas um jogo de elite, onde os ricos são fraternos e se protegem da crise, mas que não veem nos trabalhadores irmãos, e por isso desferem duros ataques, torturam, jogam à miséria, matam.
Com essa propaganda, a burguesia fez os trabalhadores perceberem que não deveriam seguir vivendo sob tamanha opressão da monarquia. Acontece que com a necessidade que o capitalismo encontrou de ferir esses preceitos para poder manter seus lucros, muitos trabalhadores em todo o mundo passaram a ter que lutar pela democracia contra a burguesia, que passava a impor desigualdades de gênero, raciais, etc., para conseguir manter seus altos lucros.
Essas questões democráticas, por serem parte de uma desilusão com o projeto de mundo burguês, são as principais questões que levam os trabalhadores, os pobres e a juventude às ruas, pois somada a não existência está a ilusão de que é possível dentro do capitalismo conquistar cada uma dessas demandas, como reforma agrária, independência nacional, fim do racismo, eliminação das fronteiras.
A crise econômica que vivemos hoje demonstra a profundidade que as questões democráticas podem ter. Basta olhar para os países de economia mais potente, como é o caso da França, e ver que cada uma das demandas democráticas conquistadas pela população francesa vem sendo lentamente retiradas, pois ao mesmo tempo em que são os bens mais caros para quem os conquistou, são também caríssimos e inúteis para aqueles que determinam os rumos da sociedade. A burguesia pode retirar direitos porque ela pode pagar pelos seus, e se o Estado que ela administra gasta com isso, seus lucros tornam-se menores.
Em países de economia mais fraca, como é o caso dos países do norte da África, as questões democráticas mostram sua proporção revolucionária: o não direito ao pão, somado a uma ditadura duríssima de mais de 30 anos, fez estourar o processo revolucionário que massacra a ideia de que revoluções são coisa do século passado.
As questões democráticas, para os marxistas, são encaradas como a primeira parte de um processo revolucionário e como demandas que, apesar de poderem ser conquistadas no capitalismo, só podem ser mantidas e aprofundadas pela via do poder de uma classe que não tenha interesse no lucro. É por isso que nós da Juventude às Ruas não reservamos nenhuma ilusão de que é a burguesia o agente da democratização e, consequentemente, que essas demandas não podem ser conquistadas, como cotidianamente é feito, pelo reformismo, que nada faz além de escrever cartas e acreditar na vontade dos parlamentos burgueses. A classe trabalhadora, junto à juventude, é a única capaz de responder a essas questões, através de sua auto-organização e da hegemonia operária, ou seja, da classe trabalhadora tomando como sua cada reivindicação democrática colocada pelos setores mais oprimidos, sendo essas demandas parte de seus estatutos sindicais, de suas greves, de seus apoios e, principalmente, parte intrínseca de sua luta contra seus patrões.
A juventude tem, assim, um duplo papel: ao mesmo tempo em que deve lutar duramente pela manutenção e conquista de cada demanda democrática, deve também ser a defensora da centralidade da classe operária, contra a visão difundida pelo mundo de que essa classe não tem qualquer papel para a mudança da sociedade, quando na verdade os trabalhadores são os únicos capazes de livrar a humanidade de todas as opressões.
Nenhuma confiança na burguesia, parasita de nosso trabalho! Pela hegemonia operária sobre as questões democráticas! Por uma juventude em luta pela liberdade nacional, sexual e racial, que lute ao lado da classe operária!
No caso do Brasil, uma das questões democráticas fundamentais decorre da brutal opressão histórica sobre a população negra que, desde a escravidão até os dias de hoje, sempre foi elemento estruturante da formação do Estado brasileiro. Ontem pelo açoite, hoje como mão-de-obra do trabalho precário, alvo das balas policiais, maioria na população carcerária, analfabetos funcionais, sem terras no campo, sem teto na cidade, a população negra carrega, na cor, nos traços e na condição de vida, a memória da escravidão.
Em função do modo subordinado da formação do Estado brasileiro às metrópoles coloniais, a burguesia nacional brasileira sempre foi incapaz de desenvolver-se independentemente do imperialismo inglês e português, cujos limites impostos para o desenvolvimento nacional sempre foram aceitos pelas classes dominantes brasileiras. Para fazer-se independente do imperialismo europeu seria preciso entrar em guerra contra ele e, para isso, precisaria armar uma população que a amedrontava e ameaçava constantemente.
Armar sua população seria diretamente armar os negros que fizeram os maiores e mais resistentes quilombos de todo o mundo, como o heroico Quilombo de Palmares. Este durou mais de um século, se defendendo e derrotando militarmente uma série de investidas do exército brasileiro. Para além de Palmares, foram os negros aqueles revoltosos contra a vacina e a política higienista do inicio do séc. XX, ou os que se rebelaram na Inconfidência Mineira. Para conter essa série de revoltas, a elite brasileira necessitava recorrer à ajuda imperialista, o que a marcou desde sua gestação: estar espremida entre forças tremendamente antagônicas. Não à toa, essa história é escondida de todo pensamento brasileiro, pois parte de impedir a revolta dos negros hoje é, por um lado, fazê-los esquecer de sua história e de sua trajetória de luta e, por outro, fazê-los acreditar que perderam sua identidade negra e, portanto, que Zumbi não os representa.
A crença utópica e reacionária de que a burguesia poderia ter se tornado potência carrega consigo a crença de que ela poderia e ainda pode resolver os problemas democráticos que seguem relacionados à questão negra. Sua dependência do imperialismo e sua fraqueza econômica impõem que a burguesia não consiga até hoje resolver questões elementares que afligem a população negra. A burguesia brasileira depende do trabalho precário para manter seus lucros; depende das prisões e da violência policial para manter os negros sob seu rígido controle social. Ou seja, abdicar dessas questões resultaria colocar automaticamente em risco sua dominação de classe.
É preciso diferenciar aqui dois tipos fundamentais de demandas democráticas. Existem aquelas que a burguesia, por conta de seu desenvolvimento e reacionarismo consequente, foi e segue incapaz de solucionar e que seriam, de acordo com sua propaganda iluminista, tarefas de uma revolução burguesa, que como já dito anteriormente solucionaram-se apenas em alguns países centrais. A essas chamamos de questões democráticas estruturais. São estruturais porque implicam um choque na relação de classes, como no Brasil seria o caso da reforma agrária e da violência policial. Existem outras demandas que consideramos formais, ou seja, podem ser resolvidas por dentro do capitalismo como concessão da burguesia a tensionamentos de classe, mas essas demandas em si não alterariam a relação entre as classes diretamente, apesar de a luta por elas e o debate político em torno delas poderem gerar um profundo tensionamento entre as classes. No caso do Brasil, uma demanda democrática formal para a questão negra seria a presença da história dos negros e de suas lutas nas escolas e universidades. Tal demanda, apesar de não gerar uma mudança na localização da burguesia e dos trabalhadores, não é implementada pelo risco que há de que ela se ligue com questões estruturais, gerando um questionamento do desemprego estrutural, da falta de moradias, do latifúndio, emendando essa questão formal com uma luta estrutural contra a burguesia.
Em cada país do mundo essas demandas se dividem entre formais e estruturais de maneira distinta, visto que tal categorização se refere diretamente ao desenvolvimento econômico daquele país, sabendo que o que os faz diferente é justamente o desenvolvimento do capitalismo a nível mundial, com os diferentes imperialismos em disputa, impondo localizações subalternas a diversas nacionalidades, sendo suas colônias ou semicolônias. Nestes, longe de solucionar as questões democráticas, os capitalistas estabelecem um desenvolvimento “desigual e combinado”, onde junto às mais altas tecnologias da indústria estão as mais precárias condições de vida. Com essa discussão é fácil ver que a principal tarefa dos revolucionários é retomar a relação perdida pela esquerda entre demandas formais e estruturais, e a necessidade de que essa conexão se eleve ao nível da luta contra o capitalismo e a parasitagem da burguesia sobre os trabalhadores, negros e brancos.
            A Juventude às Ruas, diferente do reformismo do PT e do PSOL que reservam à questão negra a política de mendigar migalhas para os governos burgueses; diferente de correntes como o PSTU que se adaptam ao programa que o reformismo reivindica para a questão negra e não constrói nenhum programa que vá além das migalhas; entendemos que a questão negra é a questão chave da revolução brasileira e que, entendida como tal, deve ser tomada por todos os sindicatos e entidades estudantis como seu próprio programa, que não deve ser a triste adaptação às migalhas e às ilusões na burguesia, mas nas demandas que de fato resgatam os direitos universais, que reparam historicamente, que colocam os negros, trabalhadores ou não, em enfrentamento direto com a burguesia!
Pela democratização de todo o sistema educacional, com escolas e universidades públicas, gratuitas e de qualidade para todos!
Pelo fim do vestibular e estatização das universidades privadas sem indenização aos capitalistas da educação!
Por currículos formulados de maneira democrática, com direito de decisão de toda a população, para que atenda as necessidades de saneamento, moradia, saúde, educação e trabalho de toda a população pobre e trabalhadora!
Pela reforma agrária e urbana com planos de obras elaborados e discutidos pelos movimentos sem terra e sem teto!
Pela legalização das terras quilombolas!

* texto extraído da Revista Manifesto Por Uma Juventude Revolucionária lançado em março de 2013.

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