sábado, 2 de março de 2013

A crise histórica do capitalismo encontra a Igreja Católica

Por Adriano Favarin, estudante de pedagogia, USP

“E, de fato, vi a sombra daquele que fez por indolência tal renúncia” Dante Alighieri, no 3º Canto do Inferno, da Divina Comédia, em alusão à Celestino V, único de cerca de 10 papas cuja renúncia (1294) é reconhecida oficialmente pela Igreja Católica.



No bojo de uma crise histórica do capitalismo, e em um momento marcado pela transição do período de ofensiva reacionária da burguesia em toda a linha para um período em que levantes de massas com inaugurais entradas em cena da classe operária começam a surgir, o Papa Bento XVI, chefe de Estado do Vaticano, renuncia, deixando em evidencia as lutas internas pelo poder entre as distintas frações da cúpula da Igreja Católica. O fato, obviamente, não é um ato de grandeza de Ratzinger, senão de impotência. Os inesgotáveis escândalos de corrupção e pedofilia marcaram seu papado.


Pedofilia, a contra-cara nefasta do celibato, e o isolamento de Bento XVI

O auge do escândalo de pedofilia foi o afastamento do Cardeal de Los Ângeles, Roger Mahony. Tal publicização afetou demais a figura da Igreja, que se viu obrigada a punir inúmeros sacerdotes tanto para diminuir a negatividade de sua imagem quanto para evitar a redução de seu capital que, com as indenizações de centenas de milhares de dólares às vítimas dos crimes, acompanhou, somente nos EUA, o fechamento de três dioceses por falência.
Essa atitude do Papa de “tolerância zero” – após tal escândalo ter chegado à queixa no Tribunal Penal Internacional contra Bento XVI por crimes contra a humanidade – indignou muitos cardeais que, assim como Mahony, tendiam ao silêncio e à omissão. O motivo é que a Cúpula da Igreja Católica prefere preservar a existência de tais crimes – que é conseqüência direta da imposição celibatária e servem aos padres como válvula de escape dessa repressão sexual – às pressões de reforma com relação ao celibato. Essa indignação dos Cardeais ruiu a base já débil de consenso e apoio do Papa dentro do Consistório. Já em 2005, na sua eleição, ficou evidente a falta de homogeneidade dentro da Cúpula da Igreja. Com a necessidade de dois terços dos votos dos Cardeais para ser eleito, Bento XVI teve o mínimo de 77 votos de um total de 115 Cardeais. Tal demonstração de divisão dentro do Sacro Colégio não se via desde a eleição de Bento XV, em 1914, com a Europa dividida e prestes a iniciar a Primeira Guerra Mundial.


Corrupção, trapaças e belicismo: as disputas fracionalistas na Cúpula da Igreja

O auge dos escândalos de corrupção e das disputas entre as frações internas que levaram a sua renúncia ocorreu em 2012, com o vazamento de documentos de Estado por parte do mordomo do Papa, Paolo Gabriele. Esse vazamento, que ficou conhecido como Vatileaks, apontava a existência de complôs na Cúria Romana para esconder supostos desvios de recursos desde o Banco do Vaticano, com suspeitas sobre o envolvimento do Secretário de Estado, Tarcísio Bertone. Curiosamente, em 2012 – em meio ao turbilhão da crise mundial que tem assolado a Europa, e que só não tem arrastado grandes bancos à bancarrota devido ao salvamento dado pelos governos a partir do comprometimento das contas do Estado e da austeridade sobre a classe trabalhadora e a juventude – o Banco do Vaticano registrou o maior déficit fiscal em anos (19 milhões de dólares).
O banco do Vaticano, conhecido como Instituto das Obras Religiosas (IOR), tem um histórico tão reconhecidamente podre (envolvendo assassinatos, suicídios, complôs e relações mafiosas) que dariam o enredo de um bom filme de trama e suspense. É notório o seu funcionamento como paraíso fiscal e desde o aprofundamento da crise sobre a Europa, a União Européia tem pressionado o Vaticano para maior transparência e adequação aos padrões internacionais da luta contra a corrupção e a lavagem de dinheiro. Ratzinger colocou então Gotti Tedeschi, representante italiano do Banco Santander, na presidência do IOR para adequá-lo a tais exigências. Este, porém, fracassou e foi afastado sob a denúncia de lavagem de dinheiro.
Nesse processo ficou às claras a relação do Banco do Vaticano, na figura de Tedeschi, com as suspeitas de corrupção da empresa de Aeronáutica e defesa Finmeccanica na compra de influência com partidos políticos, também a existência de contas da máfia italiana no “Banco de Deus” e as relações fraudulentas com a sucursal alemã do Banco norte-americano JP Morgan.
A importância do Banco do Vaticano é tal que, após anunciar sua renúncia, a primeira tarefa que o alemão Reitzinger teve foi a de nomear para o cargo, até então vago, de Tedeschi, o empresário, acionista e também alemão Ernest Von Freyberg, presidente de um estaleiro de navios de luxo e integrante de um consórcio que produz navios de guerra desde os anos do nazismo. As relações do Banco do Vaticano com as indústrias da guerra nunca foram um segredo.
Após ser beneficiada pelo governo fascista de Mussolini com o Tratado de Latrão – que concedeu autonomia financeira e administrativa no seu reconhecimento como Estado –, em 1933, Pio XII, então Secretário de Estado do Vaticano, firma concordata com o governo nazista de Hitler. Em 1939, enquanto Papa, Pio XII se nega a condenar a invasão da Polônia. Entre as vantagens desse pacto, está a obtenção do imposto eclesiástico pago pelo Estado Alemão, o Kirchensteuer. Também são escandalosas as suspeitas de participação da Igreja latino-americana, da Cruz Vermelha, do Vaticano e dos governos da Argentina e do Brasil de 1945 a 1950 na Operação ODESSA com a finalidade de fuga de oficiais nazistas e fascistas de alta patente após a derrota na guerra. Não é de se estranhar, portanto, que, atualmente, a maior fábrica de armamentos do mundo, Pietro Beretta Ltda., tenha como seu segundo maior acionista, depois de Gussalli Beretta, o Banco do Vaticano.


O fim do papado da restauração burguesa e a relocalização política da Igreja no novo período

O Papa Bento XVI não representou uma ruptura com a política do Papa João Paulo II, muito pelo contrário. Os dois representam o papado do período de restauração burguesa. João Paulo II – inspirador do desvio da revolução política da Polônia, que representou o início do período contra-revolucionário que se encerra com a Primavera Árabe em 2011 – nomeia Ratzinger como Cardeal em 1977 e a partir de 1981 o indica como presidente da Congregação para a Doutrina da Fé (antiga Santa Inquisição), que Ratizinger utiliza como plataforma para tomar medidas disciplinares contra os teólogos da libertação na América Latina, denunciar a homossexualidade e a união entre pessoas do mesmo sexo, combater a utilização de preservativo, os direitos ao aborto e o sexo sem fins reprodutivos.
A crise econômica mundial, a entrada em cena de movimentos de massa e a deslegitimação dos partidos do centro do regime político burguês europeu tem levado a burguesia internacional a buscar uma relocalização política. As posturas obscurantistas que caracterizam a Igreja Católica entram em contradição aberta com os giros políticos de algumas burguesias nacionais para se localizarem frente aos novos tempos. As demandas democráticas têm cumprido no imaginário das massas um papel muito significativo, que tem levado muitos Estados e regimes a promulgarem leis que garantem certas concessões históricas dos movimentos jovens, LGTTBI’s e de mulheres, como recentemente, a aprovação do casamento igualitário nas Câmaras da Inglaterra e França, a descriminalização da maconha no Uruguai, etc.
Assim, a Igreja tem se tornado cada vez mais retrógrada e alheia à vida cotidiana de milhões de pessoas, o que se reflete em seu crescente desprestígio e perda de influência social. Exemplo disso é o crescimento de outras religiões, igualmente reacionárias, como as evangélicas, mas que pelos métodos e formas mais flexíveis tem crescido rapidamente sobre a pobreza e a marginalização cada vez maior da população, especialmente nos países da América Latina e África.
Nesse sentido, os fins da restauração burguesa têm obrigado a Igreja a se reorientar para os novos tempos que se aproximam. Tempos de, no mínimo, uma manutenção da recessão econômica mundial, de maior resistência das massas aos ataques com a emersão da classe trabalhadora enquanto sujeito e o aumento das fricções entre os países imperialistas. Longe de representar uma atitude revolucionária de um Papa conservador, a renúncia histórica de Ratzinger vai ao sentido de permitir um tempo maior do que o Conclave para que a Cúpula da Igreja possa debater o futuro da instituição e se orientar em consonância com as perspectivas econômicas, os movimentos interestatais e o ressurgimento da luta de classes que o novo período aponta, ordenando o melhor conteúdo político e aquele que melhor o representará para que a Igreja possa se relocalizar e expandir sua influência.


Mudando algo para que nada mude. A Igreja Católica sempre na reação.

         A Igreja Católica é um dos bastiões mais antigos da reação e das classes exploradoras contra os explorados. Na Idade Média levou a humanidade a retrocessos jamais vistos ao obscurecer a ciência e a cultura, assassinando nas fogueiras da Inquisição centenas de milhares de dissonantes e impondo guerras de pilhagem sobre o Oriente. Na ascensão do capitalismo estreitou laços políticos e econômicos com a grande burguesia e os banqueiros, sem perder a influência junto aos setores das caquéticas monarquias absolutistas. Benzeu o genocídio dos povos originários na América e apoiou, justificou e financiou a escravidão dos negros africanos. Prestou serviços aos regimes fascistas na Europa durante a Segunda Guerra Mundial e às ditaduras genocidas na América Latina. Freou as massas durante as revoluções políticas na Europa do Leste colaborando na sua direção à restauração capitalista contra-revolucionária. 
Muitos falam, com a saída de Ratzinger, de possíveis reformas na instituição. Porém, mesmo a mais radical reforma significa defender a instituição no seu essencial. Agora mesmo, em torno das eleições do sucessor, tem-se cogitado um provável giro “progressista” da Igreja em direção ao hemisfério Sul. Entre esses candidatos ao suposto giro “progressista” está o Cardeal de Gana, Peter Turkson, que já se declarou a favor da pena de morte para os homossexuais. Outro é o Cardeal de Honduras, Oscar Maradiaga, que garantiu a política do Vaticano de apoio ao golpe militar que destituiu Zelaya, em 2009. Também o Cardeal brasileiro, Claudio Hummes, demonstrando toda a submissão ao imperialismo, declarou que a Igreja sempre apoiou a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Enquanto isso, o outro cardeal brasileiro, João de Aviz, sinalizou que, mesmo com o deslocamento da base da Igreja para o Sul, ‘pode não ser a hora de um papa latino-americano’, desnudando a subordinação também clerical existente das semicolônias com o imperialismo.
Importante ressaltar que dos 117 Cardeais a serem escolhidos e escolherem o novo Papa, 67 foram indicados por Reitzinger e que o nome do pretendido por Bento XVI seria Angelo Scola, italiano, ligado ao movimento conservador “Comunhão e Libertação”. Todos esses elementos demonstram que, mesmo o novo Papa tendo uma diretriz política menos ortodoxa (integrista), se manterá alinhado aos interesses da burguesia europeia e, frente à miséria material imposta às massas trabalhadoras, só poderá oferecer como consolo a miséria também espiritual, moral e sexual.

* Separação total da Igreja do Estado. Fim dos subsídios milionários que ela recebe.
* Expropriação de suas inumeráveis propriedades e contas bancárias fraudulentas. Impostos progressivos aos seus enormes negócios (bancos, empresas, turismo).
* Basta de parasitas bancados pelos trabalhadores e pelo povo. Que os padres trabalhem e, se quiserem pregar alguma religião, que o faça em seu tempo livre.
* Justiça e punição a todos os padres pedófilos e corruptos.
* Fim do Acordo bilateral Brasil-Vaticano. Educação sexual laica e livre para não engravidar. Contraceptivos garantidos pelo Estado para não abortar. Direito ao aborto legal, livre e gratuito para não morrer.
* Liberdade total para as uniões civis.
* Descriminalização das drogas.

0 comentários:

Postar um comentário