O
FIM DO MITO DO “FIM DA HISTÓRIA”
POR
BERNARDO ANDRADE, MILITANTE DA LER-QI, ESTUDANTE DE FILOSOFIA
No
último ano estudantes, jovens, trabalhadores e o povo pobre de diversas partes
do mundo protagonizaram grandes movimentos. Esses processos não ocorrem por
acaso. Em diferentes níveis, mostram a
enorme insatisfação da população frente os planos dos bancos centrais e dos
governos da Alemanha, França, Grécia, Espanha, Portugal, e um longo etc. Esses
planos implicam na retirada brutal de direitos conquistados anteriormente
através de lutas para supostamente recuperar a economia combalida pelas
profundas contradições do modo de produção no qual vivemos, o capitalismo.
Não
por acaso esses processos há mais de um ano seguem mostrando a completa
falência do discurso ideológico que, durante os anos noventa, falsamente
afirmou o “fim da história”. Diziam acabados os anos de revoluções, que
qualquer saída socialista estava esgotado, que só o que nos restava seria nos
resignar e aceitar a vida sem perspectivas, baseada no individualismo – que,
eles dizem, seria a única maneira de “se dar bem”. No entanto, a história não
acabou e segue queimando esses sonhos antigos (dos burgueses e burocratas que
acordados estão dormindo, vivos estão mortos...). As provas do quão anacrônico
e parcial é o discurso dos capitalistas e seus governos são justamente as lutas
que a juventude e os trabalhadores hoje protagonizam ao redor do mundo.
A
atual crise do capitalismo que vivemos escancara a essência contraditória das
relações sociais as quais nos permeiam. Relações que são determinadas pelo modo
de produção que concentra e subordina todas as relações humanas em função das
necessidades de reprodução do lucro de um punhado de bancos e monopólios e,
portanto, é incapaz de garantir sequer as condições mais elementares para a
sobrevivência do povo e da cada vez maior classe trabalhadora no mundo – muito
menos suprir as necessidades, que permanentemente nos são negadas, em ter
acesso à cultura, arte, saúde, educação, diversão, livre expressão, saúde e
educação sexual e uma série de condições fundamentais para vivermos segundo
nossas necessidades humanas, principalmente para a juventude!
A
palavra Revolução se re-significa e, a seu modo, devora pseudociências que
tentam fazer das relações de produção e de propriedade, que na verdade são
relações históricas transitórias no curso da produção, leis eternas da natureza
e da razão. É isso que está em jogo e a história - ao contrário de seus
pretensos algozes que dizem que felicidade, esperteza e maturidade é aceitar as
regras do jogo impostas - nos chama a participar, a decidir e a ser sujeito histórico
ao lado dos que precisam e podem transformar radicalmente essa sociedade, a
classe trabalhadora, a juventude e o povo explorado e oprimido.
A
CRISE CAPITALISTA: QUEREM DESCARREGAR SOBRE OS TRABALHADORES E O POVO A CRISE
ESTRUTURAL DO CAPITALISMO
Durante
os anos noventa principalmente os capitalistas propagaram o ideal do
neoliberalismo. Diziam que a queda do muro de Berlim significava o fim das
revoluções e que por isso cabia uma doutrina que libertava a “livre iniciativa”
das garras dos estatistas.
A
doutrina econômica do neoliberalismo nunca foi o determinante nos últimos vinte
ou trinta anos. Esta foi só uma forma econômica decorrente de um profundo
processo político e social. Nesses anos na verdade tiveram como características
essenciais a retirada brutal de direitos dos trabalhadores por via da
precarização intensa das relações de trabalho. É por isso que podemos ver hoje
nos corredores de nossa universidade muitos trabalhadores e trabalhadoras
terceirizadas que possuem salários duas vezes menores que dos trabalhadores
efetivos. Hoje praticamente inexiste final de semana livre e todos trabalham
pelo menos um dia. A privatização da saúde, a privatização das universidades
públicas, o alto crescimento das universidades privadas e do ensino médio privado,
a favelização brutal, a sobrevivência em base ao endividamento... esses são
fenômenos mundiais e todos tem seus ápices nos anos 80, 90 ou 2000.
A
verdade é que a tal “livre iniciativa” significa a liberdade estritamente dos
mesmos grandes monopólios financeiros de antes. Os governos os deixavam cada
vez mais livres para transformar em mercadorias - além de super-explorar os
trabalhadores por via das terceirizações e precarização como citamos acima -
alguns direitos que antes eram tidos como básicos. Só assim puderam sair de
crises e contradições econômicas que se aprofundavam na década de setenta e
oitenta em todo o mundo e aumentar seus lucros.
Mas
como fizeram isso? A primeira coisa é que a própria precarização e
terceirização levam à fragmentação da classe trabalhadora. Divididos os
trabalhadores não conseguem se unificar e barrar os ataques a suas condições de
vida. Segundo, isso só podia ocorrer por causa das burocracias sindicais, ou
seja, representantes dos patrões dentro dos sindicatos de trabalhadores. As
péssimas condições de trabalho e a alta rotatividade sempre favorecem a
manutenção desses burocratas.
Em
terceiro lugar, a repressão brutal do Estado, contra os trabalhadores
precarizados, agrupados em favelas, mas não só, repressão por via da violência
e da guerra da polícia – que defende os mesmos interesses dos governos e
monopólios financeiros – contra os trabalhadores empobrecidos, contra a
juventude e principalmente contra o povo negro. Não precisamos nem reafirmar o
racismo cada vez mais evidente da polícia, mas é preciso dizer que esta serve à
potencialização dessas condições precárias de vida acima citadas, assim como ao
machismo, à homofobia e a criminalização das ditas drogas.
E
por último a reconquista de mercados no leste Europeu e a reinserção de 1
bilhão de trabalhadores chineses ao mercado capitalista mundial.
Tudo
isso fundamenta o processo social e político que, como vimos acima, só
significa condições de vida cada vez piores em todo o mundo. Livre iniciativa
para os monopólios burgueses explorarem e oprimirem. Pros trabalhadores e o
povo significa ficar sem sindicatos, demitidos aos primeiros sinais de revolta
e vivendo endividados para sobreviver. Estudando cinco anos e pagando quinze,
como acontece no Chile – e por isso a juventude e os trabalhadores pararam o
país no último ano em defesa de educação pública e gratuita para todos.
Porém,
acontece que esses monopólios seguiram lucrando com essa situação até o momento
que, como é tendência inerente ao capitalismo, esgotaram novamente sua
capacidade de lucrar e, portanto acumular capital. Essa é a situação que vemos
hoje no mundo. E o que propõem esses mesmos monopólios e governos que os
servem? Descarregar sobre os trabalhadores a crise deles. Em números, só na
Grécia, hoje isso significa “a supressão de 3,3 bilhões de euros do orçamento
público, privatizações dos setores chave da economia, corte de 22% no salário
mínimo, aumento de impostos e a demissão/suspensão de mais de 150.000
funcionários públicos (um quinto dos trabalhadores estatais gregos), com a
extinção desses cargos, sob condições de desemprego que atingem 21% da
população.”¹
NO
BRASIL NÃO É DIFERENTE
No
Brasil podemos ver como todos os elementos acima se expressam de maneira
acentuada, como em poucos outros lugares do mundo.
“Mas
o Brasil está estável politica e economicamente, não sofremos do mesmo mal!”.
Diz o governo de Dilma em coro com os tucanos e tudo que há de mais reacionário
no país.
No
Brasil há alto índice de precarização do trabalho, de rotatividade no trabalho,
de precarização da vida, com condições de moradia absurdas, com favelas cada
vez maiores, com centenas de mortes todos os anos devido às más condições de
moradia, com uma das policias que mais mata no mundo, como o país onde mais se
morre por acidentes de trabalho no mundo.
Logo,
não poderia ser diferente. A estabilidade se justifica porque aqui a exploração
e opressão seguem se aprofundando! Se pode ser constatado um aumento no
consumo, isso só se dá a custo do alto índice de endividamento e da
precarização de todas as condições mais elementares de vida. A nova classe
média que diz o governo assiste em LCD com esgoto a céu aberto. Nada mais é do
que um lugar onde os capitalistas em crise ainda podem lucrar.
E
isso não poderia acontecer sem o governo do PT, que se diz um governo de
trabalhadores - baseado na autoridade de Lula - mas na verdade é um governo que
hoje representa esses mesmos monopólios internacionais que, como o mesmo Lula
sempre enchia a boca para dizer, nunca lucraram tanto no Brasil!
Além
disso, a burocracia petista nos sindicatos cumpre o papel de reprodutores dos
interesses dos capitalistas, como se fossem trabalhadores. E não para por aí. O
PT, e seu aliado PCdoB, dominam a UNE, recebem milhões de reais do governo e
dessa maneira agem no seio do movimento estudantil, segundo os interesses do
governo e dos monopólios da educação superior no Brasil, auxiliados pelo PROUNI
que transfere dinheiro público para as universidades privadas. Sem superar
essas burocracias privilegiadas pelas relações com o governo não há como
unificar a juventude, estudantes e trabalhadores para que possam se organizar
conjuntamente e expressar suas necessidades reais.
Em
Minas Gerais as forças do governo federal andam de mãos dadas com o mesmo PSDB
que usou da polícia militar como uma força privada, em uma ação violenta e
ilegal contra os moradores do Pinheirinho em São José dos Campos, e contra os
estudantes da USP. A famigerada aliança “dilmasia” entre tucanos e petista na
prefeitura de BH mostra como nos ataques aos trabalhadores e jovens o governo
federal e estadual andam de mãos dadas dentro e fora das universidades. Esses
objetivos em comum junto a setores da burguesia se expressam no despejo de
moradores em função dos lucros estrondosos visados para a Copa do mundo, na
repressão aos professores da rede estadual na greve do ano passado e a contínua
precarização da educação.
O
MARXISMO COMO CIENCIA E ARTE PARA TRANSFORMAR O MUNDO.
Esse
conjunto de relações sociais concretas não são auto-explicativas nem triviais.
Ainda mais, há uma série de pseudoteorias com o objetivo de naturalizar essas
relações de opressão. Assim como a filosofia medieval tomou muitas das questões
fundamentais da filosofia grega e as subordinou à necessidade social de
justificar uma sociedade onde a Igreja cumpria um papel fundamental no poder
estatal, ainda hoje também nos deparamos com uma série de filosofias e
concepções de mundo que tentam naturalizar a propriedade privada e as relações
de produção atuais como leis da natureza, eternas.
Na
verdade cada vez mais o ensino, a pesquisa e todas as atividades na
universidade estão subordinadas às necessidades do mercado. A livre expressão,
a livre troca de conhecimento, a liberdade de organização, de manifestação é
constantemente estranguladas pelas tesouras do governo que destinam as verbas
voltadas aos cursos que tem interesse de mercado ou, o que se constitui como
uma regra nas universidades brasileiras, pelas mãos dos diretores de
faculdades, professores e reitores que, apoiados no poder quase ilimitado que
possuem pelas estruturas de poder completamente autoritárias das universidades,
mantém relações muitas vezes estreitas com fundações e empresas privadas que
atuam dentro da universidade, com centros de pesquisa privadas, e uma série de
relações que se estabelecem, principalmente, pois representam o controle do
governo diretamente sobre a universidade, ferindo a autonomia universitária –
na maioria das universidades públicas brasileiras quem escolhe os reitores é o
presidente do país ou os governadores dos estados.
Além
disso, as universidades públicas são completamente elitistas. Sua função social
não é produzir conhecimento livre e em interesse de toda a humanidade, senão
que produzir conhecimento em função dos lucros de uma minoria, além de fornecer
mão-de-obra qualificada para ser explorada, sem as implicações de um possível
avanço na consciência crítica dos que porque ali passam. São assim desde que
começaram a existir e todo ano, enquanto alguns pouquíssimos comemoram a
aprovação no vestibular, milhões de jovens, principalmente negros, minorias
como os índios, e trabalhadores, ficam de fora, esquecidos, filtrados por um
cruel mecanismo chamado vestibular, que não por acaso aprova na maioria das
vezes os que podem pagar cursinhos caros e não precisam trabalhar, com poucas
exceções. Por isso achamos fundamental colocar nosso conhecimento a serviço de
combater esse caráter de classe dentro da universidade. Para combater os meios
pelos quais se subordina o conhecimento à necessidade de se justificar uma
ordem social tão opressora – e de fornecer-lhe instrumentos científicos para
aprofundar a exploração –, e coloca-la a serviço dos interesses da humanidade.
Mas
isso também não é o bastante. Como mostramos acima neste texto, vivemos em um
momento de crise do capitalismo. Os 700 monopólios que hoje dominam o mundo
querem superar essa crise rebaixando as condições de vida da juventude e dos
trabalhadores em um patamar inferior muitas vezes ao das necessidades da mera
sobrevivência. Portanto, só podemos colocar o conhecimento realmente a serviço
dos interesses gerais da humanidade se transformamos antes as próprias relações
de produção em função das necessidades humanas e não do lucro. Isso só pode
ocorrer pela expropriação desses monopólios e de sua produção pelos
trabalhadores e pelo povo. Por isso achamos fundamental o resgate do marxismo,
livre do academicismo e do pedantismo teoricista, por conseguinte, próximo dos
trabalhadores, como ciência e arte para transformar o mundo.
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A
UNIVERSIDADE QUE A BURGUESIA QUER EM TEMPOS DE CRISE
POR
RODRIGO SILVA (Filosofia)
Para
não tomarmos o que acontece ao nosso redor como causa e consequência de si
mesmos, uma abordagem mais ampla pode nos ajudar a entender os rumos que a
universidade pública tem tomado nos últimos anos no Brasil. Primeiro é
importante ressaltar que o ensino superior brasileiro tem como tônica de sua
história o elitismo. As universidades públicas brasileiras todas, em maior ou
menor medida, foram pensadas para formar as elites intelectuais burguesas
nacionais. Por isso nunca satisfizeram, minimamente sequer, a demanda da
juventude pobre, principalmente negra, em ter acesso a ensino superior público,
gratuito e de qualidade. Por outro lado em um momento como o que vivemos, em
que o próprio capitalismo se convulsiona em crises estruturais, e a burguesia
precisa avançar cada vez mais para abarcar no mercado e não só retirar direitos
trabalhistas para melhor explorar a classe trabalhadora, mas também transformar
em mercadorias o que antes eram direitos fundamentais, a educação superior tem
sido por todo o mundo atacada e desfigurada por este processo. As
universidades, que durante boa parte do séc. XX eram na sua maioria
instituições estatais – e que, em alguns casos, como nas universidades privadas
americanas do começo do século, mesmo quando privadas, dificilmente visavam de
alguma forma o lucro –, vêm passando por um processo de privatização, que se dá
em vários níveis. Um grande pensador anticapitalista, Immanuel Wallerstein, em
seu mais recente artigo, aborda a questão da seguinte forma: “O que a
privatização começou a significar por todo o mundo foram várias coisas: um,
começaram a haver instituições de ensino superior que se estabeleceram como
negócios, com fins lucrativos; dois, as instituições públicas começaram a
buscar e a obter dinheiro de doadores corporativos, que começaram a
intrometer-se nas decisões internas das universidades; e três, as universidades
começaram a buscar patentes para os trabalhos em que os investigadores da
universidade tenham descoberto ou inventado algo, e como tal começaram a ser
operadores da economia, ou seja, se tornaram parte do negócio.”¹
Processos
como o acima citado têm acontecido por todo o mundo, da Espanha a Grécia,
passando pela América Latina, com processos de luta se abrindo em diversos
países, organizados por estudantes e professores que se contrapõe a este
projeto, como na Colômbia, onde a mobilização massiva fez o governo retroceder,
e no emblemático processo chileno, onde o alcance gigantesco das mobilizações
pode levar os estudantes a questionar não apenas o regime universitário, como
também o próprio regime político do país. Mais recentemente, na Espanha,
dezenas de milhares de estudantes se puseram em greve no dia 29 de fevereiro
contra medidas que visam precarizar e privatizar o ensino superior, mobilizando
mais de 20 cidades, e inclusive se aliando à classe trabalhadora na luta contra
as reformas trabalhistas do governo². No Brasil, com o processo aberto na USP,
estudantes também se levantam contra a repressão que é necessária para que
estas medidas sejam executadas. Para quem não está informado de que tipo de
medidas são estas, citaremos algumas: “(...) Rodas começou, no ano passado a
aplicar o Plano Diretor, uma espécie de reforma universitária que serviria para
reestruturar currículos e cursos de acordo com as demandas de mercado, fechando
os cursos de baixo impacto econômico e incentivando financeiramente os que se
adequarem ao projeto. Isso justamente com o objetivo de fazer a USP avançar nos
rankings internacionais, se adequando aos critérios produtivistas que “medem” a
qualidade das universidades, e dando projeção para a universidade a partir daí.
Além disso o reitor afirma claramente que os cursos que conseguirem buscar a
iniciativa privada para seu financiamento serão bem vistos, se coloca como um
defensor do mecenato, quando na verdade defende a privatização do ensino e do
conhecimento produzidos na universidade.”³ Mas a USP não é exceção. Em todo o
Brasil tem sido tomadas medidas que avançam na privatização da universidade,
inclusive com processos de luta sendo abertos em diversos estados, como em
Rondônia. Na UFMG, a proposta de implantação do EBSERH, que privatiza o
Hospital das Clínicas da UFMG, e a inserção no capital privado nas faculdades,
a valorização do conceito de “universidade de excelência”, que visa se adequar
em termos de produção acadêmica para melhor se posicionar nos rankings
internacionais, e atrair mais capital privado, em detrimento de aspectos
fundamentais da vivência universitária, além de medidas repressoras que visam
calar os estudantes e impedir que estes se levantem e se organizem para
rejeitar tal ataque, são mostras de que por aqui passamos pelo mesmo processo.
Já citamos acima outras implicações que tais medidas têm no regime e na
vivência universitária.
Do
outro lado da privatização do ensino superior, temos o avanço das instituições
privadas, que hoje atendem a cerca de 75% de todos os estudantes de ensino
superior no Brasil. Essas instituições em diversos casos são “conglomerados
educacionais, grandes empresas, de capital aberto e com forte participação de
grupos estrangeiros em seu quadro de acionistas”. Neste caso, essas empresas se
aproveitam de um lado, do abandono do Estado, que não oferta vagas no ensino
público na mesma proporção da demanda, e mesmo quando oferta, o faz sem a
estrutura adequada, o que gera precarização no ensino, e de outro lado, das
chamadas parcerias público-privadas, que na verdade engendram um processo de
transferência de recursos públicos para a iniciativa privada. ProUni e Fies são
medidas neste sentido implementadas pelos governos Lula e Dilma, além de
benefícios fiscais. Além de precarizar o trabalho dos próprios docentes, que se
veem impedidos de continuar suas pesquisas, sem estabilidade no emprego, e
forçados a recorrer a jornadas de trabalho extenuantes para se sustentar, o
ensino superior privado é extremamente danoso ao próprio conceito de formação
universitária, pois sua função, além de obter lucros, é formar mão-de-obra
qualificada sem o devido senso crítico, o que é chamado por Andrea Harada Souza
de “certificação vazia”.
Segue uma citação da autora: “A forte presença do
controle corporativo em um setor essencial como a educação provoca sérias
fissuras na malha social, na medida em que os desdobramentos da transferência
tácita da responsabilidade do Estado para a iniciativa privada têm autorizado o
funcionamento de fábricas de diplomas com certificação vazia, para uma
população que, embriagada pela democratização do acesso, ainda não se sabe
enganada.”
Portanto
os objetivos dos governos são claros e as consequências inevitáveis. Ou seja,
passamos por um processo de precarização dos cursos que não tem apelo
mercadológico, ou de aprofundamento do caráter de formação de mão de obra em
cursos de humanas, o que precariza principalmente os cursos de licenciatura.
Por outro lado há um aprofundamento do elitismo nos cursos de excelência que
abrem menos vagas ao mesmo tempo que recebem altas verbas advindas e
direcionadas à iniciativa privada. Ou seja, não há democratização. Há um
direcionamento ainda maior do ensino superior aos lucros e não às necessidades
da grande maioria dos jovens que seguem distantes da universidade publica.
Tanto
é que simultaneamente acompanhamos um alto índice de precarização das relações
de trabalho dentro da universidade. Pelos corredores praticamente os únicos
negros que vemos são trabalhadoras mulheres, terceirizadas que recebem muito
menos que um funcionário efetivo, trabalham mais e não possuem quaisquer
direitos elementares, como sindicalização.
Nesse
marco, é importante perguntar; como esse processo mundial chega dentro da
universidade, ao nosso cotidiano? Através dos diretores das faculdades,
professores que se associam à privatização na universidade – muitos possuem
vínculos ou são donos de fundações privadas ou empresas terceirizadas que estão
dentro da universidade devido ao posto destes professores – e do reitor. O
reitor é escolhido pelo presidente da república, os diretores das faculdades
são escolhidos pelo reitor, ou seja, todos, em primeira e última instancia, são
ligados diretamente ao governo. Assim se desmente a fábula do abismo entre os
planos do governo e a autonomia universitária. Por isso, a estrutura de poder
da universidade é tão autoritária e repressora, para que esses burocratas
acadêmicos possam livremente aplicar esse plano de privatização dentro da
universidade.
Enfim,
esse processo de privatização só se mantém porque no Brasil existe um filtro
chamado vestibular. Por não passarem no vestibular, a maioria das pessoas
atribuem à suposta falta de mérito não terem acesso à universidade publica. É
evidente que o vestibular só serve para que essas pessoas não percebam que o
principal problema é a falta de vagas. Assim, o vestibular se constitui como um
filtro de classe, que deixa os jovens pobres e grande parte da juventude negra
fora da universidade.
É
por esses elementos que expomos acima que afirmamos que a universidade não é
uma bolha. O destino da universidade está ligado com as questões políticas
externas à universidade. Portanto, para nós é importante se ligar aos que hoje
estão fora das universidades públicas, lutar pelo fim do vestibular (em países
como Argentina, França, Bolívia etc não existe vestibular, todos que se formam
entram na universidade), pela estatização dessas universidades privadas e a
serviço dos trabalhadores e do povo para, dessa maneira, identificar nossa luta
por melhores condições de estudo com as demanda da juventude pobre e
trabalhadora. Transformar a universidade para transformar o país. Assim como no
Chile, podemos e devemos nos juntar à juventude e trabalhadores que estão fora
para transformar o que hoje são lutas isoladas, em diferentes universidades, em
um questionamento nacional de toda a juventude por educação pública, laica,
gratuita e de qualidade para todos.
4 -
“Da educação mercadoria à certificação vazia”, Andrea Harada Souza, Le Monde
Diplomatique.
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O
QUE É JUVENTUDE ÀS RUAS?
Frente
aos tempos que se abrem, marcados pela crise capitalista e o desenvolvimento da
luta de classes internacionalmente, coloca-se o desafio de forjar uma
alternativa revolucionária que prepare a juventude para essa etapa histórica
que se desenvolve. Em aliança com os trabalhadores contra a precarização do
trabalho, repressão do Estado e sua polícia contra o povo negro e todos que se
colocam em luta, a opressão às mulheres e homossexuais, e contra a manutenção
de uma universidade para atender aos interesses dos monopólios e grandes
capitalistas, surge a Juventude às Ruas!, um grupo de jovens com aspiração
revolucionária composto por militantes da Liga Estratégia Revolucionária
(LER-QI) e por independentes.
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JUVENTUDE
ÀS RUAS EM MOVIMENTO NA LUTA DOS ESTUDANTES DA USP O COMANDO DE GREVE COM DELEGADOS REVOGÁVEIS:
FUNDAMENTAL PARA UMA DIREÇÃO DEMOCRÁTICA
DOS RUMOS DA GREVE
A
luta do ano passado na USP - que tinha como eixo central a luta pelo Fora PM da
USP e pelo fim do convênio USP-Polícia Militar - deixou conquistas muito
importantes. Fizemos duas ocupações e construímos uma greve que, apesar de não
terem sido fortes o suficiente para vencer, geraram um movimento de milhares e
milhares de estudantes, que se organizaram num comando de greve com delegados
eleitos nos cursos, que junto aos trabalhadores da USP e seu combativo
sindicato, o Sintusp,e de um setor de professores e intelectuais, foram capazes
de desgastar Rodas e a burocracia acadêmica, e de gerar um repúdio de massas na
USP à PM, ao convênio e a Rodas. A luta em defesa da universidade pública e
contra o projeto privatista de universidade, que ocorre há anos, está em
momentos decisivos e teve no ano passado mais uma batalha muito importante. Após a ocupação da Reitoria que ocorreu ano
passado, ao contrário do que esperava a reitoria e a grande mídia, o movimento
se expandiu, e numa assembleia com milhares de estudantes foi votada a greve e,
por proposta da Juventude Às Ruas a construção de um comando de greve com
delegados eleitos nos cursos, uma votação histórica no movimento estudantil do
país, seguindo o exemplo do que há de mais avançado no movimento estudantil
internacionalmente. Foram eleitos mais de 120 delegados a partir das
assembleias de curso, sendo 1 para cada 20 estudantes em assembleia, mandatados
democraticamente e revogáveis. Assim, os estudantes assumiram em suas mãos a
greve de forma anti-burocrática, capaz de unificar todos os setores em luta
para que nada senão as suas posições devidamente representadas dirijam os rumos
da greve, combatendo por um lado as correntes que em momentos de ampla
mobilização nos cursos tentam subordinar os espaços democráticos de decisão de
amplos setores dos estudantes (as assembleias) às decisões das entidades
estudantis e seus conselhos de CAs (no caso da USP PSOL e PSTU); por outro as
correntes que defendem políticas vanguardistas que tendem a desconsiderar as
posições dos estudantes nos cursos (no caso da USP PCO, MNN e “autonomistas”).