terça-feira, 29 de maio de 2012

A falácia do “combate” de Dilma aos bancos privados

Por Flávia Ferreira, estudante de economia da Unicamp e Iuri Tonelo, mestrando em sociologia da Unicamp – militantes da Ler-qi

                (Dilma e o empresário Eike Batista em evento no RJ)
Resposta de Dilma à crise é a “defesa da nossa indústria e do modelo de desenvolvimento aberto ao capital estrangeiro”, ou seja, avanço da precarização e da dependência do país ao capital financeiro e aos grandes monopólios.
O espectro de turbulências advindas da recessão sincronizada em curso no cenário internacional assombram, como um fantasma, o devaneio burguês de afirmação do Brasil como uma potência. Existem importantes contra-tendências ao “Brasil que avança” no plano externo e interno, que revelam a fragilidade do país, reforçando seu caráter atrasado e semicolonial, preso na rede financeira das grandes potências. Assim, os ritmos da economia brasileira são ditados pelo pulsar da economia mundial, dos países imperialistas e seus monopólios.
Os fluxos de capitais vindos dos países imperialistas os quais permitem a valorização do real e expansão da oferta de crédito, o ritmo das importações de matérias-primas pela China e a crise na Zona do Euro (com países como a Espanha com 24,4% de desemprego), além do ritmo lento de recuperação da economia norte-americana, são algumas das principais questões chave na conjuntura econômica internacional, que começou a impactar (ainda indiretamente) a economia brasileira.
É dentro desse contexto que devemos analisar as últimas medidas de Dilma e, tendo em vista a economia mundial como determinante de suas partes. Assim, podemos observar com profundidade quão insuficientes e débeis são as políticas do governo Dilma e do petismo, que esbarram em limitações estruturais do Brasil, e interesses de classe, já que servem à burguesia e ao capital financeiro e nem de longe respondem às necessidades mais profundas dos trabalhadores.
Assim, tendo em vista que a crise não atingiu o Brasil com a mesma intensidade dos países da Zona do Euro e os EUA, Dilma e seu governo podem assumir sua figuração petista (tão apreciada pela intelectualidade decadente de “esquerda”) de “choque com os bancos”. Essa postura, junto a um conjunto de medidas paliativas, mascaram os reais interesses do governo, com medidas preparatórias para um cenário mais Crítico, já inegável mesmo para o governo [1] – num marco de um país envolto a um mar de obras e construções para a realização da Copa do Mundo e as Olimpíadas, embasados no trabalho precário.
Estabidade lulista-dilmista é parteira de crises mais profundas
Se é verdade que a conjuntura econômica do Brasil não aponta evidências diretas de impactos da crise no país como vem ocorrendo nos países da Zona do Euro, também podemos inferir que é suficiente para mostrar alguns problemas cujas respostas e soluções não enfrentam as contradições estruturais do país e implicam em descarregar os custos da crise mais uma vez sobre as costas do povo explorado e oprimido. Apesar do discurso do governo Dilma e do PT de que estaríamos a caminho do “pleno emprego” (segundo a formulação keynesiana o “pleno emprego” é o nível de desemprego no qual só há desemprego conjuntural, em torno de 6%), – e de fato, o Brasil desde os anos 1980, nunca apresentou taxas tão baixas de desemprego -, é preciso discutir, qual a qualidade desses empregos e se estes não estariam fundados num vigoroso ataque aos direitos da classe operária, via aumento do número de postos de trabalho precarizados ligados ao crescimento econômico da Era Lula/Dilma. Isso se traduz no fato de que cerca de 70% dos novos postos de trabalho com registro em carteira, nos últimos anos, remuneram de 1 a 2 salários mínimos, segundo o CAGED.
A forte precarização no trabalho não é o único fator de vulnerabilidade. O recente desempenho favorável das exportações de produtos básicos [2] é impulsionado pela forte demanda por matérias-primas: insumos para o consumo e, fundamentalmente, para a produção industrial da China (“fábrica do mundo”) e do sudeste asiático. Demanda esta que provocou a valorização das commodities nos últimos dez anos.
Essa conjuntura internacional favorável aos grandes latifundiários da agroindústria nacional e estrangeira ocorre em detrimento das exportações de produtos manufaturados e reforça a tendência à concentração da pauta de exportações do país em produtos básicos (cerca de 65% – 2010 UNCTAD) e, ao mesmo tempo, encarece o preço dos alimentos no país, que se destinam preferencialmente para o mercado externo. Oscilações mais importantes nos preços das commodities, como já embrionariamente começa a se desenvolver [3] , diante da recente desaceleração da economia chinesa, podem produzir efeitos bastante críticos na economia brasileira.

A respeito do tão falado acesso ao crédito, como saída do petismo à crise e incentivo a indústria via consumo a prazo de bens duráveis, como veículos, eletrodomésticos e celulares, podemos identificar um ponto central da vulnerabilidade política da proposta por Dilma. A tendência de aumento no endividamento dos brasileiros, que contraíram grande volume de dívidas de curto e longo prazo, também é fator que preocupa a recuperação dos níveis de consumo e produção no país para os próximos períodos. As famílias estão com dívidas maiores de prazo mais longo, puxadas pelo financiamento imobiliário – programa Minha Casa Minha Vida – e compra de veículos pela via do crédito, que passou por um forte boom em 2010, mas hoje as empresas do setor acumulam altos níveis de estoque. Ou seja, pelo menos 42% das dívidas das famílias serão quitadas no longo prazo e o restante são dívidas de curto prazo, sendo que boa parte destas se destina à compra de produtos de necessidade básica (via cartão de crédito e crédito pessoal consignado principalmente), característica da precarização da vida e do trabalho que força os trabalhadores que ganham um salário de miséria a recorrerem ao crédito caro de curto prazo para comprar alimentos, roupas, entre outros produtos, os quais deveriam ser garantidos por um salário digno. Tais níveis de endividamento serão difíceis de serem sustentados, sem importantes contradições, diante do trabalho precário e da alta rotatividade do trabalho, num cenário de estagnação econômica e de alta no desemprego.
A política de juros de governo: a redução do spread [4] é uma guerra de Dilma contra os bancos?
Por que as taxas de juros no Brasil são as maiores do mundo? O Brasil para poder competir com países avançados, no que tange aos fluxos de capitais e investimentos financeiros, precisa “estruturalmente” elevar suas taxas para atrair capital e financiar sua enorme dívida pública, assim como a política de crédito ao consumidor. A taxa de juros real brasileira ainda é umas das mais elevadas do mundo, os bancos privados financiam os déficits do governo já que são remunerados por uma taxa de juros atrativa e com baixíssimo risco. Os bancos focam seus lucros nos títulos da dívida do governo constituindo os maiores detentores desses títulos, assim não tem interesse, grosso modo, num aumento no volume do “crédito barato”, contribuindo para o alto custo dos empréstimos (crédito) no Brasil, tendo em vista a característica fortemente oligopolizada do setor bancário no país (baixa concorrência, pouco incentivo à redução das taxas das transações bancárias e financeiras).
Quando Dilma anunciou o Plano Brasil Maior, também declarou que iniciaria uma “guerra ao spread” no país, o que poderia ser interpretado como uma política de enfrentamento aos altos lucros dos bancos privados e uma postura “progressista” do governo diante da crise na indústria. Porém é preciso desmascarar o discurso superficial do governo Dilma, já que a redução do spread bancário não implica necessariamente em redução nos lucros dos bancos, visto que essa redução deve se reverter em maior oferta de crédito barato e assim, um maior consumo, por meio de ganhos no volume financeiro, com a contrapartida de uma pequena redução da margem de lucro dos bancos privados.
A política econômica do governo, nesse sentido, estaria em tentar reduzir o spread, e supostamente “baratear” o custo do dinheiro para a indústria e para os trabalhadores, com o intuito de incentivar os bancos privados a reduzirem suas taxas de empréstimo e consequentemente o spread (sua margem de lucro bruta). Mas isso vem acompanhado da alteração nas regras da caderneta de poupança: o que supostamente seria um “incentivo” a essas quedas nos juros, em realidade, ao contrário do que afirmam as centrais sindicais governistas, prejudicam os rendimentos dos pequenos e médios poupadores, já que reduz seus ganhos naquela que é a principal possibilidade de poupar para os trabalhadores; e reafirmam o alinhamento, necessário para a burguesia, da política econômica do governo com os grandes monopólios do capital financeiro, já que os títulos de renda fixa [5] , detidos em grande parte pelo capital financeiro nacional e internacional, passarão a renderem mais que a poupança.
Isso se relaciona com outra suposta conquista para os trabalhadores, mas que tem em sua essência um outro ataque: o discurso ideológico do direito ao consumo [6] , aparece como outro aspecto político, com vistas à reeleição, que podem assumir as medidas de Dilma de redução dos juros e barateamento do crédito, como uma possível tentativa de dar fôlego ao equilíbrio social lulista que se apoia no gradualismo de uma frágil “ascensão social” em base ao consumismo. Estas medidas também representam uma tentativa contraditória do governo de deixar sua marca: o equilíbrio das taxas de juros do Brasil às do exterior para elevar a competitividade da indústria.
Entretanto, são parte das medidas contraditórias do governo para construir a falácia “nacional-desenvolvimentista” que o governo (e a burocracia sindical) tentam dar a essa política de juros, como defesa da indústria nacional: em verdade, tem no horizonte o gigantesco plano de especulação imobiliária e valorização do capital estrangeiro que se constituirá no país a partir dos eventos da Copa do Mundo e as Olimpíadas, que servirão ao alto lucro do próprio capital bancário (tendo em vista sua relação com o capital industrial) a partir dos grandes monopólios imperialistas.
Em vista disso, e de um ponto de vista mais geral, também não alteram uma só vírgula da estrutura do modelo neoliberal, mas se colocam, nos bastidores, a favor dos grandes monopólios bancários, pois nem arranham a manutenção de seus lucros (dos bancos), ainda estratosféricos, em que pese a redução da Selic e política de incentivo a diminuição do spread bancário, que também são engordados em cima do suor dos trabalhadores terceirizados e dos salários arrochados dos bancários. São medidas que, além de apresentarem uma base de sustentação frágil contribuem, pelas condições acima, para o aprofundamento do caráter dependente da economia, e buscam mitigar o desempenho pífio da indústria.
Política econômica como preparação de ataques mais profundos aos trabalhadores!
Em síntese, por que a política econômica de Dilma é um “combate” falacioso aos bancos privados? É preciso desmascarar o discurso “nacional-desenvolvimentista” do petismo e de setores da intelectualidade, uma vez que essa política é prudencial e tem o objetivo de enfrentar as ameaças que a crise capitalista coloca para as debilidades estruturais do país. Isso porque o aceleramento dos ritmos da época atual, imperialista – com a hegemonia do capital financeiro -, coloca, para um país semi-colonial de tipo especial como o Brasil, a impossibilidade estrutural para os governos burgueses de enfrentamento duradouro ao poder dos grandes monopólios financeiros. Estes últimos estão profundamente enraizados na estrutura financeira do país (desde o surgimento dos primeiros bancos no Brasil), são a base do financiamento público e privado e, por meio dos fluxos de investimento direto que inundam o país nos últimos anos, ainda viabilizam a expansão do crédito inclusive de bancos públicos como a Caixa e Banco do Brasil.
Ou seja, em base ao clima de euforia de um Brasil que alcança a sexta posição entre as maiores economias do mundo, que transparece uma imagem de ascensão no cenário internacional etc., os apologistas do governo vêem nessa medida dos juros de Dilma a expressão da nova localização do governo frente ao cenário internacional – que se traduziria numa suposta independência maior do governo em relação aos bancos (!). Entretanto, a combinação entre o forte endividamento público, dependência das commodities, baixos salários e endividamento para consumo mostram de fato, com clareza que a política econômica de Dilma não mantem nenhuma independência ao capital financeiro internacional, mas antes se baseia em outras formas de ataques aos trabalhadores, aprofundando a precarização do trabalho, as terceirizações e a intensificação da exploração, e criando as bases (com a expansão do crédito aos trabalhadores), para contradições ainda mais profundas num momento de crise econômica mais implacável.
Tendo por base o cenário internacional, que combina a desaceleração econômica dos EUA, a recessão sincronizada com fortes elementos de crises profundas (sociais e políticas) na Europa e os primeiros traços de vulnerabilidade da economia chinesa, podemos entender o conteúdo político das novas medidas, que de um ponto de vista mais preparatório, visam aprofundar a popularidade do governo, assentando ainda mais as bases da estabilidade advindas do ciclo lulista precedente. Estas medidas, nesse sentido, seriam necessárias para controlar o movimento operário brasileiro, num cenário de mais impacto da crise econômica no Brasil, que implicaria em fortes ataques como demissões, quedas salariais, etc. Cenário no qual política monetária, que longe de representar uma saída, como aponta a mídia burguesa, se traduz em golpes concretos aos trabalhadores, tanto por meio da desvalorização cambial em curso (em torno de 25%) que deve corroer o poder de compra dos salários, quanto pela valorização do real que provocaria a quebra da indústria e traria de volta a ameaça de elevados níveis de desemprego a exemplo do que ocorreu com a Argentina no início dos anos 2000.
Combater a burocracia sindical com uma política de independência de classe!
A burocracia sindical tem importante papel na manutenção do gradualismo da era Lula/Dilma e na passividade do movimento operário no país, desviando os processos de lutas e sua combatividade para uma adaptação ao reformismo lulista e ao governismo; na contramão da independência de classe, agem como representantes dos interesses da burguesia no seio da classe operária. Uma luta classista e consequente das classes oprimidas contra o poder dos monopólios bancários e o capital financeiro imperialista não deve de forma alguma passar pela aliança espúria com setores da CNI e FIESP, representantes de uma fração da burguesia nacional, como fez a CUT, a CTB, a Força Sindical e o Sindicato dos metalúrgicos do ABC filiado à CUT [É preciso que as centrais sindicais antigovernistas se coloquem numa perspectiva de independência de classe, de democracia operária e auto-organização, contra o burocratismo e o reformismo que alimentam a passividade e criam o terreno para que se passem mais ataques. Centrais sindicais governistas como a CUT cumprem um papel nefasto na luta contra a terceirização ao não levantarem um programa classista e independente, único capaz de irromper com o pilar lulista de “crescimento sustentado” e responder às necessidades dos trabalhadores e do povo pobre pela sua ação independente diante dos desafios que a crise irá nos impor. Ao invés da exigência da aprovação de um projeto de lei pela regulamentação do trabalho precário e/ou maior fiscalização como fazem estas centrais, a classe trabalhadora deve levantar um programa que responda à precarização do trabalho com efetivação de todos os trabalhadores em condições precárias, com iguais direitos e salários e a união das fileiras operárias entre efetivos e terceirizados – educar os trabalhadores a solidariedade de classe, única forma de fortalecer a luta de conjunto a partir de seus próprios métodos de ação. Também são incapazes de levantarem uma campanha nacional contra a Lei Anti-Greve (AI-5 da Copa) e em defesa dos lutadores, contra a repressão e a militarização dos canteiros de obras como em Jirau. Não é semeando ilusões na política econômica e no gradualismo de Dilma que será possível enfrentar e preparar as condições efetivas para reativar a economia num cenário de crise capitalista mundial no qual se colocam desafios para a classe trabalhadora, tendo em vista que qualquer solução que não seja outra forma de subordinação ao imperialismo só pode passar pela estatização de todo o sistema financeiro nacional e a constituição de um banco único, estatal e público sob controle dos trabalhadores. E para enfrentar a vulnerabilidade das exportações de commodities dependentes das oscilações internacionais de preço, dos fluxos de capitais e agravadas pela altíssima rentabilidade do agronegócio contra os interesses nacionais, é necessário lutar pelo monopólio do comércio exterior. Somente a partir desse programa classista e independente, é possível reordenar o sistema financeiro para que este seja orientado à planificação da economia a partir das necessidades dos trabalhadores e do povo pobre com investimentos em saúde, moradia e educação de qualidade e gratuitos, eliminando os lucros dos banqueiros, organizando e viabilizando a produção e consumo com garantia estatal de acesso ao crédito, juntamente com o não pagamento da dívida.
[1] “Para o Copom, acumulam-se evidências que apoiam a visão de que a transmissão dos desenvolvimentos externos para a economia brasileira se materializa por intermédio de diversos canais, entre outros, moderação da corrente de comércio, moderação do fluxo de investimentos e condições de crédito mais restritivas” (Ata da reunião do Copom, abril/2012)
[2] Cerca da metade do total exportado pelo país se concentra em apenas cinco commodities: minério de ferro, petróleo em bruto, complexo soja, açúcar bruto e refinado e complexo carnes.
[3] Preços de commodities recuam 12,7% em 12 meses.
[4] Segundo o Banco Central, spread é um termo em inglês usado para expressar a diferença entre o que o banco paga ao aplicador (fornecedor de recurso ao banco) para captar um recurso e quanto cobra para emprestar esse mesmo dinheiro.
[5] Títulos mais lucrativos e de menores riscos, associados a necessidade de financiamento da dívida pública nacional.
[6] Pronunciamento de Dilma no 1o de Maio.
[7] Matéria completa disponível no link: http://www.smabc.org.br/smabc/materia.asp?id_CON=29061&id_SUB=80
(Para mais artigos, acesse  http://desmanchanoar.wordpress.com/, blog de economia marxista)

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