quarta-feira, 21 de março de 2012

O retorno dos quadros burgueses à “Casa” e a invenção liliputiana de um Brasil Potência frente às “oportunidades” da crise

Por Daphnae Picoli e Flávia Ferreira

(* "Liliput" é uma das diversas nações remotas do mundo em que Gulliver aporta no livro do escritor irlandês Jonathan Swift, "As viagens de Gulliver". Os habitantes desta ilha, a primeira das quais recebe o protagonista desse romance satírico, eram extremamente pequenos, dotados de tremenda impertinência e entrando em conflitos por qualquer futilidade. Suas aspirações de grandiosidade são retratadas satiricamente por Swift)




"Na época do imperialismo, é impossível abordar o destino de um país de outra forma senão tendo como ponto de partida as tendências do desenvolvimento mundial como um todo, no qual este país, com todas as suas particularidades nacionais, está incluído e ao qual está subordinado" 
Leon Trotsky


A clareza do método de análise do revolucionário russo nos servirá como iluminação para desvendar as cavidades cerebrais obscuras das "personalidades da Casa" do IE. Nos dias 07 e 09 de março de 2012, o Instituto de Economia da Unicamp teve duas palestras de início de ano que foram o retorno à "Casa" de dois quadros da burguesia formados pela "Escola de Campinas": o Prof. Márcio Pochmann, presidente do IPEA, indicado pelo PT à candidato na prefeitura de Campinas e pesquisador do Centro de Estudos do Sindicalismo e Trabalho (CESIT); e o Prof. Otaviano Canuto, chefe do departamento de "Redução de pobreza e gestão econômica" do Banco Mundial, que em sua palestra contou com a presença de professores do Centro de Estudos de Conjuntura Econômica (CECON) André Biancarelli e do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT), Célio Hiratuka e de quadros como o ex-diretor do IE e agora chefe do departamento de assuntos estratégicos do governo federal, Mariano Laplane.
Partindo de uma análise da situação internacional "de acordo com as aberturas oportunas para o Brasil", como um momento do "surgimento de uma nova ordem mundial" ou da constatação sem grandes aprofundamentos de uma "grande transformação estrutural na economia global" (ambas as definições tão profundamente fundamentadas nas "provas de imunidade à crise" dadas pelo Brasil, na mente desses profundíssimos pensadores) as duas palestras "Perspectivas do desenvolvimento brasileiro" e "Os países emergentes no contexto da crise internacional" a despeito das diferenças na abordagem, tratavam com centralidade das possibilidades que estariam se abrindo frente a crise para o Brasil conseguir alçar, pelo enfrentamento dos seus desafios -no primeiro caso- ou pelo desenvolvimento de fatores autônomos de crescimento -no segundo-, uma nova posição de “potência” no cenário internacional.


 


            Para além de uma crise do sistema financeiro, a crise atual tem se mostrado uma crise do sistema capitalista, mais especificamente desse sistema numa fase específica, a fase do capitalismo dos monopólios, do imperialismo. Nessa época histórica do capitalismo os oligopólios mundiais junto ao capital bancário são como aves de rapina ao explorarem os mercados dos países semi-coloniais e de desenvolvimento capitalista atrasado, como o Brasil. Com os monopólios cumprindo mais de um século desde sua passagem para o primeiro plano da economia mundial, determinando o ritmo das pulsações do sistema capitalista; com toda a série de processos de revolução e contra-revolução do século XX, para além das duas Grandes Guerras Mundiais, responsáveis pelas sucessivas divisões do globo através da carnificina bélica, dotando as potências imperialistas centrais nos EUA e na Europa de vastas "esferas de influência", ou seja, de lucratividade pela rapina; estendendo a mão sobre todo tipo de territórios do planeta, conseguindo-se estabelecer os padrões de extração de recursos e riquezas de todo o mundo pelos grandes monopólios, inclusive no Brasil: com tudo isso, torna-se uma falácia descabida o discurso ideológico de professores do IE de que o país poderia alcançar os níveis de desenvolvimento dos países centrais, estando o equilíbrio econômico instável do país totalmente dependente das flutuações e caprichos da economia internacional (como mostraremos abaixo), ao qual "estamos subordinados, com o qual estamos conectados e do qual não podemos escapar", parafraseando Lênin.
            A análise desses especialistas ignora completamente o poder do capital financeiro e a relação de dependência que estas potências capitalistas imperialistas possuem com os países semi-coloniais, mesmo de tipo especial, como Brasil (a relação entre um punhado de países credores e uma infinidade de países devedores). De particular e fragmentada, completamente deformada, o Prof. Otaviano Canuto chega ao absurdo de em sua palestra apresentar o caso da descoberta de minas de diamantes e exploração destas  nos países africanos Botswana e Zimbábue apontando para a diferença de "governance" entre os dois, como se o governo desses países não fosse uma marionete impotente diante das transnacionais européias que retiram o mineral às custas da escravidão e da super-exploração dos africanos, como herança dos primeiros períodos da política colonial dos estados europeus.

 E o "Brasil potência" de Dilma e do PT diante de todo esse contexto?



 


            É fato que o Brasil se encontra em uma situação particular diante da crise que assola os países do centro capitalista, assim como outros "países emergentes" como China. Ao contrário do centro e por conta da política dos países centrais, o que vemos é uma enxurrada de fluxos de capitais para o país (incrementando o volume de crédito disponível para o consumo interno, mas também a contradição do endividamento para a sobrevivência do brasileiro) que, junto à ainda substancial demanda por matérias-primas por parte da China - que através de suas exportações aos EUA e Europa cumpria na primeira fase da crise um papel contra-tendencial - com elevação do preço das commodities, sustentam o crescimento logrado desde 2004 -interrompido em 2008, com o estouro da bolha crise, mas sem recessões. A burguesia nacional tenta encontrar nesse momento singular os pilares para conseguir fazer do Brasil um país "modelo" e uma potência regional com a ideologia do "novo desenvolvimentismo", vinda desde o governo Lula e que tem como base o pensamento da Escola de Campinas a respeito do país: apontando para o "adensamento das cadeias" de agroindústria e a geração de tecnologia ligada a estes setores e o desenvolvimento de multinacionais e grandes oligopólios brasileiros.
            O fato é que além desse crescimento estar apoiado em "pés de barro" e numa conjuntura internacional favorável (os grandes investidores se entrincheiram na periferia do capitalismo como nichos de acumulação provisórios, enquanto os centros capitalistas entram numa espécie de "recessão sincronizada"), esses grandes analistas da "Casa" ignoram o caráter dependente do Brasil diante do cenário mundial, de que as empresas multinacionais tão idolatradas como Petrobrás e as multinacionais da construção civil estão preenchidas. Dilma Rousseff e o governo petista, enquanto cortam R$55 bilhões de reais do orçamento público, continuam cedendo porções de nichos de exploração para o capital estrangeiro não abandonar o país "à sua própria sorte", como a privatização dos três principais aeroportos do país, e inundar o país de investimentos lucrativos para a patronal brasileira e estrangeira, sem os quais o "Brasil potência" ruiria como um castelo de cartas, descobrindo seus "fatores autônomos" de desacoplamento da crise se desmanchando no ar. Os petistas - tendo entre seus quadros Márcio Pochmann - que tanto se gabaram de políticas anti-privatistas, escancaram as veias já abertas do país para os parasitas internacionais, sendo responsáveis, mesmo numa conjuntura econômica nacional destoante da européia, pelo mesmo remédio de austeridades aos gastos públicos.
            Uma das facetas dessa nova fase do Brasil é o imperativo mundial dos capitalistas do aumento da produtividade, para a geração de mais-valia. No Brasil, a necessidade do aumento de produtividade e de competitividade da indústria está diariamente nos jornais burgueses, e se traduz mais concretamente na aprovação, no último período, de uma Lei de Regulamentação da Terceirização que permite a terceirização não apenas de atividades meios, mas também àquelas centrais para as empresas, regulamentando a precarização e a superexploração dos trabalhadores.
            Os adeptos desse novo desenvolvimentismo e a propensão do IE/Unicamp de admirar os regimes de grande intervenção estatal esquecendo do seu caráter fortemente autoritário e anti-democrático, tem na China o grande exemplo de desenvolvimento, país que estaria agora rumando para um crescimento deslocado para a demanda interna. Contudo, a estrutura produtiva chinesa foi montada, pelas transnacionais estrangeiras e de potencias imperialistas como os EUA, para fazer desse país uma plataforma mundial de exportação de produtos manufaturados tendo como base para a competitividade de seus produtos o trabalho semi-escravo, terceirizado, da população chinesa e a grande desigualdade de renda do país, que oferece para uma camada de burocratas e novos "self made men" a ideologia da ascensão social e deixa a grande massa da população morrer nas indústrias, suicidando-se inclusive (como nos diversos casos da empresa Foxconn, produtora dos aparelhos da Apple) e no atraso do campo. A China não apenas é o exemplo de que o chamado trabalho imaterial advogado pelo Prof. Márcio Pochmann não se tornou a base de todo capitalismo mas sim a expressão nítida de como o capital financeiro internacional montou nas costas dos povos oprimidos e da classe trabalhadora dos ex-estados operários burocratizados para poder escapar duradouramente de suas contradições mais penosas. Essa produção predatória e dos grandes lucros das multinacionais é que são tão elogiadas pelo Instituto. 
            Nós, da Juventude às Ruas, partimos de um ponto radicalmente oposto. A dominação do capital financeiro acentua as desigualdades e as contradições da economia mundial, e dá ao papel da burguesia um caráter reacionário em toda a linha. O lugar histórico que o imperialismo ocupa relativamente ao capitalismo em geral é decisivo para qualquer análise séria e fundamentada cientificamente, e os "intelectuais da Casa" enumerados acima provaram que a realidade superior da economia mundial sobre suas distintas partes precisa ser um segredo ocultado convenientemente por aqueles que querem intactas as bases da economia capitalista em decadência. A Unicamp, na voz desses cavalheiros – muitos são donos de empresas terceirizadas, de cursos pagos dentro da universidade, ligados a fundações e ao próprio governo federal – fala em nome da exploração dos trabalhadores. O papel estratégico dos professores enquanto intelectuais que possam ajudar a armar a juventude contra este discurso reacionário do petismo patrocinado pelas grandes corporações,  é vital, e dentro e fora da universidade, precisa revelar o seu potencial de choque contra o estado burguês e seus intelectuais orgânicos.
            Nesse sentido, o novo desenvolvimentismo do IE cumpre um papel ideológico de amortecimento da luta de classes, ocultamento das reais condições de exploração e opressão no país e de sua ligação indissociável com as potências imperialistas. A partir dos processos da Primavera Árabe e da crise internacional, se evidencia a incapacidade da burguesia e do capitalismo de cumprirem qualquer papel progressista no mundo. Mesmo tendo se tornado a sexta economia do mundo o Brasil segue sendo o país da precarização, da perseguição aos lutadores, da violência contra as mulheres, da criminalização da pobreza e de uma das polícias mais assassinas do mundo. Nossa aposta vai no sentido inverso da desses intelectuais orgânicos da burguesia: apostamos na aliança da juventude com os trabalhadores - como os professores da rede pública em greve em todos os estados do país - para terminar de vez com as bases econômicas dos monopólios e do capital financeiro, com meios estratégicos que nos possibilitem vencer e derrubar este sistema de miséria e opressão defendido pelos quadros da Escola de Campinas!

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