terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O projeto em xeque


Rodrigo Silva é estudante de filosofia na UFMG e da JUVENTUDE ÁS RUAS. 

O CHE (Complexo Hidroelétrico) de Belo Monte terá uma capacidade de geração de energia em torno de 11.181 MW. Mesmo estando entre as 10 maiores hidroelétricas do mundo, comparativamente, será um dos investimentos em energia menos eficientes, do jeito em que está no projeto original (e é importantíssimo nos lembrarmos dessa ressalva), e custará em torno de 20 a 30 bilhões de reais, segundo estimativas. Sua capacidade média de geração de energia, a energia firme, como é chamada, será de apenas 4.637 MW. Existem outros cálculos, utilizando outras metodologias (metodologia HydroSim), que ainda nos dão uma perspectiva mais desalentadora, calculando apenas 1.172 MW de energia firme, o que seria aproximadamente apenas 10% de sua capacidade. Apesar de ser o projeto mais caro de todos, produzirá pouco mais energia firme, contando a melhor das hipóteses, do que Tucuruí (4.100 MW), e a metade de Itaipu (8.600 MW). Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, produzirão juntas 4.100 MW. Temos que lembrar, voltando ao assunto dos parênteses, que um dos ajustes realizados no seu projeto para viabilizar sua construção, do ponto de vista ambiental, foi desistir da construção de outra barragem (Babaquara), à montante do projeto em curso, que, se construída, aumentaria o espelho d’água da usina de 440 Km² para 1.225 Km², e ai sim, talvez a usina tivesse uma geração maior de energia. Como nos é alertado pelo estudioso do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), Philip Fearnside, é comum nestes casos que promessas antigas sejam esquecidas pelo governo em momentos posteriores. Portanto, em um novo momento de “crise energética”, já programada a partir da ineficiência do projeto atual, e “necessidade de progresso”, como o governo denomina sua justificativa para construir esta usina da morte e derramar dinheiro, poderíamos ver sendo construída essa outra barragem, e maiores danos ainda poderão surgir. Boa parte das condicionantes exigidas para a implantação do projeto que está em andamento não foram cumpridas, e muitos danos já são parte do cotidiano de Altamira. A criminalidade da cidade cresceu em mais de 130%, o inchaço populacional castiga a população, que vê seu custo de vida aumentando rapidamente, suas periferias estão crescendo sem condições básicas de infra-estrutura, além da ineficiência dos serviços públicos, como saúde e educação, em atender sua demanda. E porque tudo isso?

“A obra pela obra” ou “do nosso bolso para o deles”

Como é lembrado em um dos artigos do painel de especialistas sobre Belo Monte, quando se tem em vista um empreendimento em energia, temos que analisar para onde vai a energia gerada, e qual é a sua necessidade, e, acrescento, não ficar alardeando um suposto progresso e um desenvolvimento que já é papo velho por estas bandas, às custas do sangue e das vidas dos trabalhadores e da população local. Ao observarmos o CHE de Belo Monte sob este aspecto, vemos que, além de relatórios que apontam que investimentos em eficiência energética nos poupariam dessa usina sangrenta, a obra não atende as necessidades energéticas e produtivas da população e dos trabalhadores, mas sim as necessidades das grandes indústrias do alumínio e do ferro, e, por conseguinte, da grande economia mundial, que vê no nosso estado uma das últimas fronteiras de exploração de matéria-prima. Quanto ao ferro, é importante notarmos que, do modo em que o ferro é produzido e vendido (com baixo valor agregado e direto para a China) não é interessante para o Brasil continuar comercializando-o para o exterior, apesar de seu comércio ser um dos sustentáculos da nossa política econômica. Esse ferro deveria, no mínimo, ser revertido para o crescimento da indústria nacional, se alguém quisesse argumentar pelo dito “progresso”. Aliás, perto da quantidade de ferro que alimenta a indústria mundial e só deixa seqüelas para nós, do que adianta falar em “taxa de mineração” e “reverter os lucros da mineração para o estado”, como argumenta a mídia governista da capital? Quanto ao alumínio, vários países já até desistiram da extração mineral da bauxita, pois além de consumir muita energia e gerar poucos empregos, é uma das indústrias mais poluentes que existem, e, além disso, apesar da sua importante para indústrias tecnológicas que não são prioridade da economia nacional, hoje em dia mais de 85% do alumínio produzido é passível de reciclagem. Se os benefícios fossem revertidos para a criação de indústrias que trouxessem benefícios para a população paraense, gerando empregos e nos suprindo nas demandas materiais de um estado tão pobre quanto o nosso, ainda poderíamos entrar nesse debate. Mas com essas perspectivas, quem quer Belo Monte?

                Belo monte é uma obra, que, além de, no seu objetivo final, servir a uma política econômica que não beneficiará a população em geral em nada, é um verdadeiro atentando contra a dita “soberania nacional”, pois essa política econômica de exportação de commodities é a mesma que garante que o Brasil continue numa posição de semi-colônia da economia mundial em termos de produção, e não a falta de energia, como nos é alegado.

Todos esses argumentos, como compromisso com o desenvolvimento, e garantia de energia para a nação, são apenas falácias sustentadas pela mídia e pelos políticos que defendem a obra, todos comprometidos com os que verdadeiramente serão beneficiados com este empreendimento. Camargo Corrêa, Odebrecht, Andrade Gutierrez e outras empreiteiras, seja através de despachantes ou diretamente, serão as únicas beneficiadas por este empreendimento. Todas essas companhias financiaram a campanha eleitoral de Dilma. Assim como nos EUA a indústria bélica financia campanhas presidenciais e exige retornos, aqui acontece o mesmo com as empreiteiras. Como nos esclarece a campanha “Belo Monte: com meu dinheiro não!”, o BNDES irá financiar 80% do custo da obra, à juros baixíssimos, no que é o maior financiamento da história do banco. Um verdadeiro assalto aos nossos bolsos! E tudo isso a custa da população local e dos trabalhadores do país! Fundos trabalhistas, através do BNDES, irão financiar Belo Monte!

Em Belém, por que nos mobilizarmos? E como?

Em primeiro lugar, o desrespeito e abandono estrutural em que se encontra a população de Altamira, além de que os desrespeitos exercidos contra os trabalhadores da obra não são privilégio de Belo Monte. A precarização do trabalho e o desrespeito a população que não tem condições dignas de moradia têm sido a tônica do suposto “desenvolvimento” que vem sendo propagandeado desde o governo Lula. Lembremos que tanto nas obras do PAC, quanto nas obras para a Copa do Mundo, que são geridas pelos mesmos grupos de empreiteiras, casos de trabalho semi-escravo, péssimas condições de trabalho (como em Jirau, onde os trabalhadores atearam fogo no próprio alojamento em forma de protesto), remoção de moradores locais sem cumprimento das condições prévias são recorrentes em todo esse cenário de “desenvolvimento”, que na verdade é apenas um “boom” de obras, financiado pelo nosso bolso e de objetivos duvidosos. Essas empreiteiras são na realidade agentes do trabalho precário no Brasil atual. Se posicionar e organizar-se contra a construção da usina é um passo importante na auto-organização dos trabalhadores. Nesse momento em que capitalistas do mundo inteiro se preparam para a crise mundial, é importante que os trabalhadores da região e a população em geral se organizem para defendermos o que hoje é uma das últimas fronteiras para a grande economia capitalista mundial, a Amazônia. Hoje, com esta crise estrutural, até nos países mais desenvolvidos são oferecidas misérias à classe trabalhadora. Somente a auto-organização dos trabalhadores poderá superar os problemas da região. Não podemos confiar na classe política tradicional, representada pelos veículos regionais de mídia, que não respeitam a população, desinformando-a, e lucram com a exploração do estado, para esta tarefa. Nos colocarmos contra esse projeto é lutar contra esse modelo econômico que garante que, mesmo com tanto capital circulando, com tantos recursos no Estado, que em Belém, metade da população viva em situação precária. Só a luta contra esse modelo poderá oferecer à população do Pará perspectivas de melhoria nos serviços básicos, na moradia, nas condições de trabalho e na educação. Para que nestas condições possam decidir sobre o dito “desenvolvimento”.

Para se porem ao lado da população e dos trabalhadores, os estudantes e jovens devem empreender tarefas de organização e discussão nos seus locais de estudo, se pondo à serviço da classe trabalhadora. Denunciando a situação, se reunindo nas escolas e faculdades para discutir o assunto, a juventude deve ir às ruas para levantar suas vozes e seus braços contra este modelo que não oferece um futuro para a juventude que não seja ilusório, e na realidade extremamente difícil, não só aqui como em todo o resto do mundo. Devemos combater Belo Monte e junto com ela o projeto de país que vem tocando os governos Lula e Dilma, com suas maquiagens e de fundo, lucros como nunca para os capitalistas, e exploração para os trabalhadores e desrespeito às suas lutas e à população em geral. Para isso devemos mirar com bons olhos, e aprender com o exemplo chileno, aonde uma luta que retomou sua força este ano em manifestações contra a construção de cinco barragens no território da população Mapuche, cresceu e se tornou um movimento massivo e apoiado por diversos setores da população que, ocupando escolas e faculdades pela educação gratuita, nas suas maiores manifestações reuniu mais de 500.000 jovens nas ruas, pondo em xeque não só a agressão ao povo indígena, mas o próprio modelo de desenvolvimento proposto pelo governo chileno e os resquícios da política econômica do período ditatorial.


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