sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Uma carta à sociedade

“Vocês produzem a miséria e nos impedem de chegar a nível social”

De Menos Crime


Nós queremos educação pública, gratuita e de qualidade. Queremos que os métodos de ensino sejam revistos desde suas bases. Queremos que a administração pública seja radicalmente democrática, com o controle das instituições e das próprias fábricas nas mãos dos trabalhadores. Queremos que o trabalhador tenha mais tempo livre, com redução de horas de trabalho sem alteração dos salários. Queremos que as decisões que irão afetar nossas vidas sejam tomadas nós mesmos.

Comissões, reuniões, debates, discussões, tomada de decisões, assembléias. Algo que é permitido apenas à uma elite, que controla o futuro do país. O lobby no Brasil é discreto, mas eficiente. O governo do PT se apóia numa suposta base sólida de amplo respaldo da população, reduzindo a oposição aos setores da direita. Porém, as bases começam a ruir e os trabalhadores, finalmente, apesar de todos os problemas, erguem as cabeças, param de olhar para o chão e passam a enxergar as contradições de um governo “de esquerda” que se apóia não numa base sólida, mas no apodrecido sistema penal-policial. Se baseando nas leis da ditadura, as Forças Armadas são convocadas para reprimir revoltas de trabalhadores.

Qual é a verdadeira quadrilha criminosa? Um grupo de jovens pobres, negros, fora da escola, que desde pequenos estão em tênue equilíbrio entre a vida e a morte, que se reúne para roubar um posto de gasolina e conseguir algumas centenas (com sorte, milhares) de reais, ou um grupo de brancos, ricos, universitários, que se reúnem quando quiserem, que possuem mais de uma casa, motorista, salário de dezenas de milhares de reais por mês, e se negam a aumentar o salário mínimo, assinam o início da privatização das nossas florestas, mantém os torturadores impunes, não revêem uma política de drogas que só aumenta a violência, não punem os seus “colegas” corruptos, e aparecem sorrindo para as câmeras rodeado de guarda-costas? Essa é a hipocrisia do sistema.

Vemos isso com relação à ocupação da USP. Uma parte da mídia vende a ideia de que os “privilegiados” querem manter seus “privilégios” contra os “menos privilegiados” que, por serem “menos privilegiados”, não tem acesso ao “privilégio” da Universidade pública, gratuita e de qualidade, e que está sendo depredada por tais “privilegiados”, num ambiente “privilegiado”... Ou seja, vendendo a ideia de que a Universidade, de fato, deve se manter como um bem escasso, de alto custo, acessível apenas a poucas camadas da sociedade, de preferência apenas à burguesia – e, pior, que os estudantes ocupados defendem ESSE projeto de Universidade!

O comunismo, o socialismo, o anarquismo, o marxismo, etc. passam longe de serem pauta da educação brasileira. O capitalismo ergue-se, imponente, como a solução final para todos os problemas do mundo. O setor privado passa a controlar a comunicação, saúde, educação, transporte, alimentação, limpeza... A lista não tem limites. Às vezes “só” terceirizam partes, seções de instituições públicas, dividindo os trabalhadores e criando vínculos empregatícios por um lado muito tênues (entre empregador-empregado) e por outro muito fortes (empregador-governo). Isso permite que as empresas tercerizadoras (desde a Natura até as empresas de alimentação industriais) operem numa semi-legalidade constante, jogando com as leis trabalhistas e os trabalhadores como quem aposta num cassino.

Na escola de aplicação da USP, uma cartilha ensina sobre a "Propriedade". E ensina as crianças que os países que adotaram a propriedade privada conseguiram superar a miséria, países como EUA, Suécia, Japão, etc., e os que adotaram o socialismo acabaram na miséria, como URSS e Cuba. Nenhuma crítica aos EUA, cuja pobreza só aumenta, nem ao fato de que jornadas de 70h semanais são comuns no Japão, ou que na Suécia... Sei lá, faz frio pra cacete. Nenhuma menção ao fato de que Cuba acabou com o analfabetismo. De que a URSS saltou de um regime arcaico, quase feudal, para uma potência nuclear. Nenhuma menção às diferenças do regime. O grande valor: a "propriedade"!

Nós somos a primeira geração do Brasil democrático, filhos do neoliberalismo, e não estamos contentes com o resultado. A corrupção claramente não terminará enquanto não houver uma mudança radical na estrutura de poder. O coronelismo não acabou. A escravidão não acabou. A “representatividade” que a pequena-burguesia tem em seu altar elege, literalmente, um palhaço, pois é assim que o povo se vê frente à política: como um palhaço fazendo malabarismos num picadeiro, enquanto os empresários, os políticos e a burocracia se sentam na platéia, rindo de nós. Porém, a exploração não é piada. Os malabarismos são com a nossa própria vida. O trabalhador em condições precárias corre risco de vida todo dia de trabalho. E o patrão “corta custos” deixando de comprar equipamento de segurança e pagar treinamento adequado – se morrer um, tem cem na fila pra entrar no lugar mesmo, e que família pobre vai questionar? Nem dentro da USP, a morte de José Ferreira da Silva, trabalhador terceirizado morto durante o exercício de sua função, foi investigada. Pra isso, o aparelho investigativo da polícia não serve.

O Brasil “do futuro” é um Brasil que não tem mais possibilidades de conciliamento. As concessões salariais e pequenos avanços nas leis trabalhistas, num período de crise, não são uma possibilidade para a burguesia. Joga todo seu aparato repressivo contra a população, enquanto Camargo Correia, Odebrecht, OAS, a indústria de telecomunicações, os conglomerados do ensino particular e os pequenos e médios empresários do setor de terceirização seguem com lucros garantidos, baseados na superexploração e precarização do trabalho.

A classe trabalhadora, por sua vez, que tinha depositado suas esperanças nas privatizações, no avanço da tecnologia, no triunfo da ciência, no domínio do homem, vê os governos aprovarem pacotes de austeridade, cortar o orçamento da saúde, educação e segurança social, e reprimir greves de trabalhadores com a ajuda dos aparelhos repressores (polícia, bombeiros, exército). A luta de classes continua. O movimento Ocupa Wall Street, no “ground zero” do imperialismo americano, se questiona: “por que somos 99% da população nas mãos de 1%?”. O povo começa a flexionar os músculos, a criar novamente confiança em suas forças, após décadas de ataque neoliberal. O trabalhador se politiza e passa a se perguntar se há outro caminho.

Que há outro caminho, temos certeza. Vemos no dia a dia opressão, repressão, morte, sofrimento, preconceito, miséria, guerra e violência, no Brasil e no mundo. Está na hora de revolucionar. Às ruas!

Caio Rearte - militante da Juventude ÀS RUAS e estudante de Ciências Sociais da USP

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